Para a generalidade das mulheres, ter um amante significa ter uma quantidade de ocupações, de factos, de circunstâncias a que, pelo seu organismo e pela sua educação, acham um encanto inefável. Ter um amante não é para elas abrir de noite a porta do seu jardim. Ter um amante é ter a feliz, a doce ocasião destes pequeninos afazeres - escrever cartas às escondidas, tremer e ter susto: fechar-se a sós para pensar, estendida no sofá; ter o orgulho de possuir um segredo; ter aquela ideia dele e do seu amor, acompanhando com uma melodia em surdina todos os seus movimentos, a toilette, o banho, o bordado, o penteado: é estar numa sala cheia de gente, e vê-lo a ele, sério e indiferente, e só eles dois estarem no encanto do mistério; é procurar uma certa flor que se combinou pôr no cabelo; é estar triste por ideias amorosas, nos dias de chuva, ao canto de um fogão; é a felicidade de andar melancólica no fundo de um cupé; é fazer toilette com intenção, o maior dos encantos femininos! Etc. Estas pequeninas coisas, que enchem a sua existência, que a complicam em cor-de-rosa, que a idealizam - são a sua grande atracção. É o que amam. O homem amam-no pela quantidade do mistério, de interesse, de ocupação romanesca que ele dá à sua existência. De resto, amam o amor. Havia muito deste sentimento nas místicas e nas antigas noivas de Jesus. Amavam a Deus porque ele era o pretexto do culto.
Eça de Queirós, in 'Uma Campanha Alegre'
não gosto nada, desculpe que lhe diga, JdB. As mulheres retratadas pelo Eça parecem umas tontas, totalmente fúteis, quase acéfalas! Só sonham estar bonitas, andar a suspirar pelos cantos, sonhar com o amor, inventar, quase, o Amor ... não, não gosto mesmo. pcp
ResponderEliminarpcp, concordo consigo no que toca a definir ou retratar mulheres em circunstâncias "ditas" normais; mas as mulheres que o Eça retrata, são mulheres apaixonadas e essa, minha amiga, não é uma circunstância dita normal :-) Uma mulher apaixonada fica, de facto, totalmente acéfala, cega e surda; só sonha com o objecto amado, suspira pelos cantos, deita-se no sofá a enfabular, não come, não dorme, até fica com ar apalermado. Valha-nos Santo António ...... e valha-nos a certeza de que essa paixão passa, devolvendo-nos então a nossa verdadeira identidade. E quem nunca passou por isto, é como ir a Paris e não ver a Torre Eiffel :-)
ResponderEliminarmaf, pode ter a certeza absoluta que sei exactamente como é o sentimento que descreve! No doubt about that! Mas não deixo de achar enervante o retrato apresentado pelo Eça. Há qualquer coisa de "trés français", no pior sentido possível do francês, no sentido de fútil, superficial, ligeiro,tontinho,saltitante, na forma como descreve um estado de alma que é imensamente intenso, mas que NÃO É estúpido!!! Ora o Eça faz-nos parecer estúpidas! E mesmo podendo concordar, a contra gosto, com este retrato de períodos da vida em que deixarmos de ser nós próprias, desculpe mas não gosto, acho imensamente irritante. Obg pelo seu contributo. pcp
ResponderEliminarMas também lhe digo mais, maf: conheci e conheço pessoas que amaram intensamente, mas que não ficaram parvinhas. As generalizações são perigosas e relativas. Diria que a maior parte de nós fica realmente neste estado lastimoso (eu inclusivé), mas há-as que têm maior controlo sobre si próprias, são mais tough, quiçá, e que não ficam acéfalas. São estruturas emocionais, psicológicas, mentais diferentes.... o romantismo excessivo contribui muito para esta "tontice". Acho eu. Obrigada pela interpelação. pcp
ResponderEliminarahhhhhh pcp mas não acha que 'amar intensamente' está muito para além do estado da paixão? Amar intensamente, esse sim, faz-nos ser e sentir mulher em todo o seu esplendor e riqueza .... mas paixao !!!! bah, continuo a achar que ficamos mesmo parvinhas ou, para usar a sua expressão que se adequa na perfeição :-), ficamos num estado lastimoso. Quanto ao Eça, sabe o que acho ? Acho que, bem lá no fundo, ele queria ter nascido mulher !
ResponderEliminar(pcp, será que eu a conheço ? )
Maf, está a levantar uma suspeita terrível sobre este venerado escritor da nossa praça!! Que não a leia muita gente!!! Risos ... não faço ideia se me conhece... ou eu a si ... como podemos resolver este problema??? pcp
ResponderEliminaro que eu queria dizer, e fiquei distraída, é que me parece que há pessoas que não são vulneráveis à PAIXÃO. À paixão em que se fica completamente à toa e tontinho. Acho mesmo. Não acho que a paixão como a estamos a descrever toque a todos de igual forma ... se calhar estou errada...pcp
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