'estás aqui estás a levar, rais'parta este diabo!'
deve ter sido o lindo cartão de visita que te ofereci,
enquanto as pernas ganhavam balanço para
o massacre que se seguiria - botas de caçador, minhas,
contra pernas de sedutor em formação, tuas.
há amizades assim, nascidas de um duelo.
das amizades mais fortes, a nossa não foi a mais
improvável, mas talvez a mais estranha, naquele
sentido em que se a amizade tem algo de amor,
bem posso dizer que te odiei por te amar, sem o saber,
amei-te enquanto e porque te tive, como nos livros de psicologia,
e de novo te odiei, quando enfim te perdi - coisas da vida.
mas não vamos ficar por aqui, só memória e tristeza,
quando tanto houve de primavera nesses invernos juvenis,
tanta lenha e tanto verão, dias lentos e lânguidos,
mesmo quando chuvosos - que a juventude tudo embala,
brasa que incendeia palha, água, tudo o que passa,
matéria transitória que contudo, e contra tudo, permanece.
la dolce vita, filmada com os meios que havia, poderia
bem ser o guião desses dias esplêndidos, noites de folia
e rapina, embriagados de nós próprios e de imaginação,
todo um filme que só nós - e mais um ou outro - víamos,
alheios à suave despressurização dos bosques em volta,
ausentes da corrosão do tempo, essa gangrena em combustão.
éramos felizes, e imaginávamos mil aventuras, que eram
na realidade trinta e duas (mas quantas são, hoje em dia?),
éramos alegres, e beberricávamos cem gê-tê-is, que eram
na verdade quatro ou cinco (quantos são, hoje em dia?),
éramos jovens, e namoriscávamos vinte miúdas, que eram,
há que dizer, uma ou duas (são quantas, hoje em dia?).
felizes, alegres, jovens - com saúde, e era mais do que
a santíssima trindade (que me desculpem os leitores).
assim eram os dias, sublimes, envoltos em perfeição,
mergulhados em possibilidades, abertos ao mundo,
sem traumas, passados, mágoas, revoltas, náuseas,
- dois felizes rapazes, segurando a mão dos seus amores.
hoje, perdi-te. hoje, perdeste-me. complicadíssima operação
esta, que não se ensina em universidade nenhuma da vida,
por ciência ou arte - um nada gentil mecanismo de subtracção.
ambos navegamos agora em mar alto picado, coisa suicida,
deixando para trás juventude, beleza e um naco de coração,
resta a memória rasgada na ardósia e na pele, a traço de giz.
(ai, luís, luís. que foi isso que tu me fizeste? que foi isto que eu te fiz?)
gi.
Mais um quadro engrandecedor (mistura de grande com enternecedor). Go on.
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