O SONHO É POSSÍVEL acumula vários méritos: o Óscar da Melhor Actriz Principal, juntamente com o Globo de Ouro de Melhor Actriz de 2010 (Sandra Bullock); um elenco bem caracterizado onde cada actor encarna com uma naturalidade notável a sua personagem; uma trama poderosa, cheia de humanidade; uma família comum onde os gestos cruciais nascem em pequenos momentos, daqueles verdadeiros, que todos reconhecemos no nosso dia-a-dia; mas, acima de tudo, o facto de se basear na realidade, em que o ponto de partida adverso se converte em bem, num efeito dominó, quase irreal! E isso é o mais inacreditável, tendo inspirado a tradução livre do título português, a sublinhar a improbabilidade do sonho realizado.
Uma história maior e factual, que aguenta alguns estereótipos a que o argumento não se conseguiu esquivar. E percebe-se a gigantesca tentação de Hollywood, quando todos os ingredientes se juntaram: em pano de fundo, o desporto favorito dos americanos e o menino pobre, com imenso potencial, que nasce no país das oportunidades, onde se tenta praticar o lema: the sky is the limit! Nas personagens, de um lado, uma família branca, abastada, republicana, do outro, um adolescente negro, indigente, traumatizado pela marginalidade típica de quem nasce na zona proscrita da cidade (Memphis), significativamente conhecida por Hurt Village, submergida na típica espiral de degradação: droga, violação, ditadura dos gangs, orfandade e desenraizamento absoluto. Ali tudo é disfuncional, violento e viciante! Sobreviver é, por si só, uma aventura… Autêntica roleta russa! Michael Oher é o produto real do lado errado do burgo. O lado que todos (com um mínimo de sucesso ou sorte) evitam conhecer. Excepto se houver uma boa razão…
Precisamente, o filme é sobre uma óptima razão!
As melhores razões têm, naturalmente, o nome de pessoas e os factos aqui narrados reúnem várias, em crescendo. Antes de mais, o abandonado Oher, sem a agressividade expectável, face ao seu passado, e uma característica linda, taxada à americana, em percentil: 98% de instinto de guardião! Um dom invulgaríssimo numa criança que fora maximamente desprotegida. Talvez corresponda ao primeiro recorde de Oher, que os foi somando ao longo da vida.
A seguir – cronologicamente – uma professora que se compadece e lhe aplica um método de avaliação, a título excepcional (sendo penalizada pelos colegas), através de prova oral, permitindo-lhe não ser expulso da escola, aos primeiros e previsíveis desaires, quando a maioria o achava um caso perdido, puro desperdício de recursos. Aparece ainda o miúdo confiante e alegre, ruivíssimo, que não se intimida com a enorme estatura de Oher, antes se mete com ele, encontrando-lhe graça onde a maioria apenas via motivos para se afastar… Finalmente, uma noite invernosa, com tudo para ser horrível e, surpreendentemente, o ar enregelado de Oher, mal abrigado numa T-shirt disforme, derrete o coração bondoso de uma mãe, de um pai, de duas crianças a quem nada faltava, enquanto a maioria virava a cara para não se impressionar!
Depois, as felizes e insólitas coincidências, que sabemos serem possíveis, apesar de muitíssimo improváveis: um treinador que faz um diagnóstico precipitado de prodígio atlético, influenciando a admissão de Michael O. numa escola privada, de luxo, onde é o único negro entre brancos. Aliás, este facto merecerá um comentário bem apanhado, por parte da sua mãe adoptiva, que o quer enquadrar etnicamente para evitar o desconforto de se sentir «uma mosca num copo de leite»! O argumento avançado pelo treinador, no magno encontro do Conselho Directivo, é muito bonito mas soa a manobra persuasiva, habilmente esgrimida: a escola cristã não poder deixar de honrar os seus compromissos com a virtude maior – a caridade! Mal sabia ele a caixa de pandora, verdadeiramente caridosa, que tinha aberto… Mas talvez o facto mais inexplicável, à luz da teoria das probabilidades, ainda seja a enigmática sobrevivência de Oher, nado e criado em condições de máxima exposição ao perigo! Até Leigh Anne, expoente da combatividade e do optimismo, estranhava essa circunstância prodigiosa, que só se atreveu a tentar esclarecer com o próprio, bastantes anos depois, com tudo já estabilizado.
Não queres virar crítica de cinema, MZ? Gostei muito do "efeito dominó". Bela imagem. Bjs. pcp
ResponderEliminarA minha filha de 11 anos comentou a generosidade e coragem daquela família. Gostei de falar com ela sobre a nossa obrigação de quebrarmos os tabus para praticarmos o bem. Foi bom ter ido ao cinema (porque não a classificação de M6?)mas que pena o realizador e os actores não terem conseguido fazer mais do que contarem uma boa história (oscar de melhor actriz?!?!).
ResponderEliminarQue boa ideia MZ ter alargado a sua intervenção ao cinema! deA
Outra vez eu, MZ. Fui ver este filme porque gostei da tua crítica. Um filme perfeito para pais levarem filhos a entrar na adolescência. Um filme que mostra que a generosidade existe e que os milagres acontecem. Como me dizia a minha sobrinha de 12 anos: mas isto é só na América! Será em termos de oportunidades de vida(estudos, vida profissional, etc). Mas não em termos de milagres. Esses acontecem todos os dias, umas vezes a nós, outras a quem nos rodeia e conhecemos. Achei que o filme não era mais do que uma história bem contada, concordo com o deA, mas que bem contada e que fundo tão bonito. Proposta: fala-nos do De Profundis, MZ. Bjs. pcp
ResponderEliminarQuerida Maria Zarco
ResponderEliminarA sua interpretação do filme – sempre fantástica, expõe o seu lado tão bondoso e disponível como o da família Tuohy… e que nós, amigos, tão bem conhecemos e podemos provar… agora sou eu a fidedigna testemunha!!!!
Quanto a esta ternurenta história… está tudo dito!
Sem poder precisar uma frase encantadora da Mãe – a realidade da história encarrega-se de mostrar aspectos que para muitos dos mortais ficam diluídos nos seus próprios “blind side”, ou seja, o quanto ganhou a Família Tuohy com a entrada de Oher, e como uma entrega baseada no Amor, mesmo quando nos é exigido maior esforço, luta e partilha, vem dar conteúdo às nossas vidas e enriquecer as relações humanas; claro, o retorno de sentimentos, sem dúvida, é gratificante e estimula a novas aventuras!
Sem querer frisar os pontos chave do enredo tão bem anotados sob o «agudo olhar filtrante Maria Zarco»… o qual já está a fazer história!!!, delirei com a determinação e afectividade de uma Mãe muito “up-to-date” em todos os sentidos; com a atitude do Pai e a…“pinta”…, sempre complacente; achei pilhas de graça à naturalidade e comportamento do miúdo perante Oher, com todas as suas diferenças e semelhanças - e por ser a criança, destituída do peso da sociedade, mas já bem orientada na vida, a primeira a ler o “blind side” de Oher e ainda sublimo a atitude afirmativa da filha adolescente, numa idade muito crítica, demarcando-se corajosamente … tal Mãe, tal filha… de rótulos e convenções, com a perfeita noção dos valores que falam mais alto.
Em Oher tocou-me a sua coragem de lutar por uma vida digna e a humildade de aceitar todo o interesse e amor que lhe eram devidos, retribuindo com a mesma magnitude.
Tudo leva a crer que há coincidências quando estamos predispostos à Vida… e uma inspiração divina (claro!), também!
É, ou, não é esta uma história real?...
CLV
Absolutamente, CLV, quando nos dispomos a abrir-nos aos outros, os milagres tornam-se possíveis e todos ficamos a ganhar. Obrigadíssima pela sua "radiografia" tão certeira, colorida e rica a cada uma das personagens principais do filme e, felizmente também, da própria vida.
ResponderEliminarBj gd, mto tocada pelo seu comentário tão amigo e enriquecedor do filme,
MZ