01 agosto 2010

A ditadura dos bens

A crónica dominical de hoje foi escrita sob o signo da ligeireza. Talvez tenha sido um erro, porque o tema de hoje presta-se a considerações várias. Uma ligeiríssima achega, portanto.

Todos nós conheceremos a história que tem alegadamente Salazar com interlocutor. Alguém lhe terá falado numa família feliz. O estadista terá respondido: felizes? E já fizeram partilhas?

Para além desta história, todos nós conheceremos famílias desavindas que se entendiam como Deus e os anjos até que a correnteza de expressões morte, testamento, partilhas passa a fazer parto do léxico dos intervenientes. Nessa altura, infelizmente, vem ao de cima, como o azeite, o pior que temos em nós: a cobiça, a raiva, o sentimento erradamente apurado de justiça, a ganância. Numa fracção de instante tudo o que nos unia passa a ser factor de afastamento.

Por trás de tantas famílias voltadas de costas entre si está a ditadura dos bens materiais. Não se pretende que sejamos pobres, que sejamos patetas, que vivamos numa indigência humilhante e estéril. Pretende-se, apenas, que tenhamos uma visão equilibrado do que temos e do que podemos prescindir em nome de uma pacificação familiar.

Pretende-se, apenas, que não queiramos ter infinitamente mais do que precisamos, que não prejudiquemos a nossa estabilidade familiar por causa de critérios de imagem, de sinais exteriores de sucesso, de uma vergonha infantil de quem tem mais do que nós.

JdB

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar
  2. João, é verdade que várias das famílias «unidas» que conheci não resistiram a episódios de partilha de bens. Mas não estou certa de que tenha estado sempre em causa a ganância. Em muitos casos, o «bolo» a repartir resumia-se a um punhado de migalhas, o que me leva a pensar se a desavença não terá sido devida à tentação que alguns têm de enganar os outros; melhor dizendo, à tendência que alguns têm de julgar ou fazer dos outros parvos. O que, entre próximos, se torna, realmente, mais difícil de suportar. ;-)

    ResponderEliminar
  3. Bom dia. A minha familia (infelizmente) já passou pela fase das partilhas e talvez porque "Não Há Regra Sem excepção" não houve zangas, nem cobiças, nem traições. É verdade que o espólio não era grande coisa - as tais migalhas de que a Luisa fala - e várias pessoas comentaram: "Ah, se tivessem muito, haviam de ver !!" Mas mesmo assim, não sei ! Conscientes de que as partilhas podem destruir uma familia e temendo o exemplo de tantas, acho que nos empenhámos mesmo em partilhar, na verdadeira acepção da palavra :-) Correu bem e ainda bem. Prova que é possível. Uma boa semana para todos.
    Maf

    ResponderEliminar
  4. Luísa e Maf: obrigado pela vossa visita.
    Infelizmente, o número e famílias desavindas pelas partilhas é superior ao das que não estão, diria eu. Confesso que a "ganância" me parece ser a faísca que acende o fogo da discórdia. Há quem tenha a ganância de um quadro do Columbano, há quem tenha a ganância de um prato feito há 50 anos. O importante, para esses, é que o outro não fique com mais do que eu.
    Todos nós conhecemos, também, histórias felizes. Não resisto a contar uma que me garantem ser verdade, passada com familiares próximos. Decidiu-se que o espólio seria todo sorteado, para não haver injustiças. No entanto, os sorteios foram sendo repetidos até que o bem em questão coubesse - EM SORTE - àquele que tinha demonstrado vontade de o ter. Esses irmãos viveram felizes até ao fim da vida, o mesmo não acontecendo com os descendentes, que não terão seguido o mesmo figurino.

    ResponderEliminar

Acerca de mim