10 novembro 2010

Moleskine

Acreditar. Como tive oportunidade de referir, passei parte significativa do fim de semana passado num encontro de gente ligada a esta coisa do cancro infantil: Pais, jovens adultos que passaram pela doença, voluntários, profissionais. Olhei à volta e contei quatro Pais que perderam filhos – quase tantos como os presentes que viveram a felicidade da cura. Tão angustiante como isso é ter olhado para uma das mães e imaginar que há fortes possibilidades de vir a engrossar esta terrível estatística. Mesmo assim fez questão de estar presente, de colaborar, de alertar, de propor melhorias de que beneficiarão talvez outros. Olhámos sobretudo para a frente: como estar mais próximo, como respeitar os que querem fechar uma porta e, mesmo assim, lançar-lhes o desafio do serviço, sabendo que irão reviver o drama. Na Acreditar encontrei, como muitos outros, o sentido para a minha vida. Só espero estar à altura.

Ruído. Parte da minha vida profissional obriga-me a duas viagens semanais de comboio entre o Estoril e o Cais do Sodré e regresso. A volta, pela hora de almoço, é terrível. Música alta, conversas de telemóvel partilhadas pela carruagem, diálogos sem qualquer noção de pudor pelas vidas próprias. Quando alguém me liga percebe imediatamente onde estou: estás no comboio? Encolho-me, ponha a mão em concha e reduzo os decibéis ao nível do milagre da audição. Conservador como sou, faço uma sugestão: substituam as horas da educação sexual obrigatória por tempos de educação cívica. É óbvio que não sabemos que vai ministrar esses temas, mas sempre é melhor falar-se de ruído incomodativo do que ensinar aos jovens como se põe um preservativo sem perder a sensualidade de um vão de escada.

Futebol. Contra o Guimarães, anteontem, o Sporting passou de uma vitória de 2 - 0 para uma derrota por 2 - 3. Em pouco mais de dez minutos, se a memória não me atraiçoa. Contra a frase dos fãs só eu sei porque não fico em casa, só me ocorre gritar, verde de raiva: até eu sei porque fico em casa...

Dias de hoje. Alguém dizia que um pessimista via em cada oportunidade uma dificuldade e que o optimista via a inversa. Gostava de imaginar, do alto de toda a minha ingenuidade (sempre pouco optimista), que os tempos difíceis que se adivinham serão uma oportunidade para rever modelos de vida, para prestar mais atenção ao próximo, para aproveitamento de sinergias (no caso das instituições de solidariedade social, por exemplo), para diminuir um consumismo desenfreado e estéril. Cresci num tempo em que não se falava de dinheiro. Mesmo sabendo que havia mesadas diferentes, elas não eram factor diferenciador. Talvez se possa, de alguma forma, regressar a essa espécie de pureza. Sob risco de nada termos aprendido.

Música. Quem não tiver dez minutos para fechar os olhos e ter um pensamento elevado - ou mesmo fugidio - que se desvie da espuma dos dias pode ir andando que eu já lá vou ter. Só têm de esperar dez minutos, ok?


2 comentários:

  1. Acreditar: percebo-o tão bem João quando diz que encontra o sentido da vida, no serviço aos outros.
    Ruido: embora não utilize transportes publicos, conheço a sensação. Só que não me parece que seja falta de pudor ou falta de noção comportamental. A maioria das pessoas que se comporta assim, fá-lo propositadamente, embora muitas vezes inconsciente. É uma forma de chamar atenção, de manifestação do ego, de dizer: olhem para mim .... sou mesmo bom !
    Futebol: passo !
    Dias de hoje: eu sou das que professa "em cada dificuldade, uma oportunidade, em cada oportunidade uma aprendizagem".
    Musica: 10 minutos que se transformaram em 30, porque não resisti a ouvir 3 vezes este trecho lindissimo.
    Adoro este Moleskine :-)

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  2. Gostei, como sempre, de ler o seu balanço da semana em Moleskine, João. Para concluir, com satisfação, que ainda sou uma optimista, apesar de algumas fortes desilusões na vida. Ainda acredito que é possível vencer todos os desafios, incluindo o maior de todos, que é o sofrimento (em qualquer das suas incontáveis formas). :-)

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