Telefonema. 6ªfeira jantava com amigos. Casa nova e cheia, com um ruído de fundo feito de conversas soltas, próprias de quem inicia um fim de semana fagueiro sem previsão de borrasca. Toca o telefone. Retiro-me para um canto da sala, poupando incómodos próprio e alheio. Do lado de lá do éter, alguém por quem nutro admiração e amizade especiais descreve-me a situação: uma intervenção cirúrgica, uma análise e uma acção em função de... Voltado para uma janela, tendo pela frente uma noite mansa, uma piscina iluminada e uma cascata pujante, vou ouvindo, respondendo e oferecendo: é preciso alguma coisa? Amanhã? Domingo? Sempre? Tento oferecer uma voz confiante e com a firmeza de um ponto final a quem me telefona com umas reticências e um ponto de interrogação. Tento mostrar, na impessoalidade de um telemóvel com ruído de gente animada por trás, que a minha amizade é tão grande como aquela que levou alguém a partilhar o sufoco numa 6ªfeira, jantava eu com amigos.
Blogues. Não sou vasto frequentador de blogues. Tenho uma lista relativamente desactualizada do lado direito deste espaço. Interesso-me pouco por blogues de politica, visito regularmente alguns outros com cujos donos me cruzei ou de quem sou amigo. Conheci a Luísa num jantar de bloguistas, mas já a seguia no Nocturno. Sugiro que a visitem no Beira-Tejo, um espaço que prima pelo bom gosto dos textos e pela qualidade das fotografias. Antes de a conhecer adivinhava-lhe uma máquina fotográfica xpto. Enxovalhou-me, revelando que tem um equipamento vulgar de lineu. A mestria está no olhar, mais do que na técnica. Envergonhado, quis cantar como o fado: desculpa, mãezinha, ser tão pouco.
Histórias. Cumprem-se, em Janeiro próximo, quatro anos de mudança radical na minha vida profissional. A maior parte do meu tempo de trabalho é passada hoje em dia em casa, tentando gerir o trânsito entre o quarto e o escritório, duas assoalhadas intervaladas por um "coto" de corredor e uma parede de alvenaria. Vivo feliz, suportado nas minhas rotinas, nas minhas disciplinas, habitante felizardo de um Monte Estoril que é uma aldeia - no que isso tem de bom. Há algumas desvantagens, uma das quais partilho: a ausência de contacto profissional humano retira-me (também) as ideias para histórias mais leves. Às vezes olho para o que escrevo e lembro-me da frase que alguém disse ao seu próprio filho: tenho medo de que te estejas a tornar num grande maçador...
Livros. Com um atraso de algumas dezenas de anos, comecei a ler o Guerra e Paz. Quatro volumes quatro, como se diria em linguagem taurina. Perante o riso escarninho de alguns dos meus leitores por esta falha cultural tão abjecta, direi em minha defesa: aguardei todos estes anos por uma tradução directa do russo para a nossa língua pátria. Chega como argumento? Intercalarei com livros que gente generosa me oferta, pelo que levarei o último volume para o lar de terceira idade - aquele que os meus descendentes me escolherem, e que assistirá à minha incontinência, assim como ao fio de saliva que escorrerá pela comissura dos lábios.
Música. Gosto de violoncelo. É talvez o instrumento musical com o som mais triste que conheço, mesmo considerando o som triste do oboé, nas palavras do Eça. Fechem os olhos, oiçam parte do 2º andamento do concerto de Dvorak e elogiem o meu bom gosto - por convicção ou amabilidade. Não preciso de mais nada...
JdB
Música: que não seja por isso, JdB! Lindíssimo! Um lindíssimo convicto, não por amabilidade. Tenha um bom dia dentro e fora das suas assoalhadas localizadas numa das aldeias mais bonitas, elegantes e agradáveis de Portugal (à excepção da Foz, que ainda prefiro mais). Bjs, pcp
ResponderEliminarBom dia JdB,
ResponderEliminarDos seus salpicos de hoje aquilo que me picou foi a sua vontade de ler o Guerra e Paz. Fiquei nuns nervos! Não acha mais divertido voltar a ver a série que deu anos a fio na televisão?
Gostava de ouvir outra música, esta está na linha do guerra e paz. Posso fazer uma sugestão e dedicá-la a um amigo e frequentador deste blog? Instruções - ouvir em silêncio!http://www.youtube.com/watch?v=twsBYJhiI_g
João: ponto a ponto…
ResponderEliminarTelefonema: só há pouco comecei a sentir o prazer de receber e a aprender o jeito de dar uma palavra amiga num momento de aflição. Nunca valorizei muito isso, porque sempre me foi mais cómodo resolver os problemas sozinha. Mas quando, de repente, os problemas começam a ultrapassar-nos…
Blogues: obrigada, João! :-)))
Histórias: compreendo-o muito bem. Quando a minha vida começa a confinar-se, demasiadamente, às quatro paredes de minha casa, começo a sentir falta de assunto. Mas pode sempre inventar-se. Há excelentes romancistas que escreveram com inexcedível realismo a partir do mero conhecimento de si próprios. Por outro lado, há «íntimos» que nunca são maçadores…
Livros: passo, para não ter de confessar uma falha cultural abjecta. ;-)))
Música: o seu gosto musical é de um refinamento e de uma sensibilidade praticamente insuperáveis, João. Está dito! ;-)
JDB - Não vou elogiar o seu bom gosto... mas sim a sua sensibilidade... e não é por amabilidade e nem por convicção, mas por fazer parte do mesmo gênero que vc... do gênero humano... humano que ainda sente, vê, escuta, aprecia e aplaude o belo... Almas com esta sensibilidade merecem todos os elogios do mundo! Agradeço pelo presente que vc me deu ao postar este vídeo... Sinceramente - Abs Zayb.
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