Ontem. Bênção dos presépios, enquadrada numa noite de oração. Retomo um tema: há um desafio – talvez não tão óbvio – em pertencer-se à Igreja (melhor: de ser-se igreja) numa paróquia com elevados índices de riqueza, escolaridade, cultura, lado a lado com uma pobreza que vai desaparecendo de uma forma mais óbvia, mas que subsiste. Olhava à minha volta. A tentação de se descortinar a hipocrisia em quem nos rodeia é fácil: jovens aparentemente em êxtase, gente de meia idade com um ar devoto, caras serenas de quem sente uma proximidade própria com o altíssimo. Por trás desta imagem de (im)perfeição humana, há seres ostensivamente egoístas, incongruentes, pouco atentos ao próprio, com uma língua viperina e fácil. A irritação com esta falsidade é fácil e escancara-nos a porta. Como nos impedimos de a franquear? A certeza metafórica de que a igreja é como um ginásio: vamos para estar em forma, não porque estamos em forma. Há ainda a sabedoria popular: cada um sabe de si, Deus sabe de todos. E sobra a pergunta para prémio gordo: sou melhor do que os outros?
Ontem ainda. O prior percorre o corredor central da igreja benzendo os presépios ou imagens que cada um trouxe. Quase a assomar ao altar, já no regresso, apercebo-me de uma senhora provinda de um local mais recuado na ala lateral, e que agita os pés como quem peregrina apressadamente. Estende o seu presépio até ao limite do tamanho dos braços e percebo-lhe a angústia. No local onde estava, nenhum pingo de água benta humectou as suas mãos nervosas ou o Menino na sua manjedoura, pelo que, em bom rigor, não sentiu a bênção. Imagino-lhe o pedido: o senhor prior importa-se de agitar o hissope com mais energia? Quer que lhe ateste a caldeirinha?
De hoje, mas há 30 anos. John Lennon seria assassinado no dia de hoje, mas em 1980. Quis postar, da discografia dos Beatles, uma das músicas de que mais gosto: while my guitar gently weeps. Certo da dúvida sistemática, ligo ao meu filho que profere a resposta demolidora: George Harrison. Numa conversa (a dele) de amigos (também dele) interrompida para minudências, duas palavras de um jovem deitam por terra as poucas ilusões que tinha quanto à minha cultura. Num assomo de magnanimidade e compaixão com que muitos olham os indigentes, sugeriu-me esta música:
Que video tão fantástico, JdB! Tão cheio de imagens alegres, creativas, loucas, comunicando um gosto (um Amor) pela vida e pelos seus prazeres tão grande! Adorei a escolha, que desconhecia. E achei o máximo comparar a Igreja ao um ginásio. É tão verdade a sua imagem! Tenho um belíssimo dia ("meu" dia). Bjs. pcp
ResponderEliminarDesculpe, queria dizer tenha... um belíssimo dia.... pcp
ResponderEliminarJdB,
ResponderEliminarTal como a C achei o video muito divertido e a música um slow romântico que desconhecia.
Gostei muito também da introdução que fez sobre D. João IV, e do excerto “tomar por Padroeira de nossos Reinos e Senhorios a Santíssima Virgem Nossa Senhora da Conceição,...".
Parece-me que a História assim contada como o fez, poderá contribuir para aumentar a nossa auto-estima. Ser um estímulo para podermos continuar a caminhada sabendo que temos para trás coisas boas como as que citou, entre outras. Interessante esta coisa da História que eu só agora, confesso, começo a levar a sério. Há não muito tempo atrás era a maior seca...
Thanks so much,
ML
ML, tal como você, até há uns tempos atrás também achava a História uma matéria alguma maçuda... fascinante quando contada, meio chata quando estudada... hoje em dia sinto que o conhecimento da História, da História de Portugal neste caso, é fundamental para o conhecimento da nossa identidade enquanto país e enquanto povo. Um pouco à semelhança da família... é importante perceber donde vimos, quem somos, que genes nos influenciaram. Pois com a História passa-se o mesmo. Se a lêssemos afincadamente, nomeadamente os livros dos novos historiadores que não estão influenciados pelo espírito republicano e maçónico e são (tentam ser) isentos - já leu o Rui Ramos? - veria/aperceber-se-ía da grandeza da nossa História e dos personagens da nossa História. Veria o quanto fomos inovadores, em vários sectores, ao longo dos séculos; ou o quanto rasgamos horizontes que outros depois aproveitaram, chamando a si os louros. Lembro-me duma vez ter lido, numa biblioteca em Pangim (Goa), o quanto as elites portugueses impressionaram os goeses quando lá chegaram. Fomos muito, muito marcantes em todos os sítios onde estivemos. Não há uma dúvida disso. Só que não o sabemos. É esse o grande problema de Portugal. Uma História mal contada (depois de 1910) e um povo que se habituou a achar que o que vem do estrangeiro é que é bom, chique e moderno. Bjs. pcp
ResponderEliminarAinda não li o Rui Ramos. Fui ver quem é e de facto parece ser tudo menos o 'chato' habitual.
ResponderEliminarAqui no Câmara Clara: http://www.youtube.com/watch?v=5ElGiFVCOtM
Obrigada pcp. Beijos também para si.
ML
PCP, sábias palavras as suas!
ResponderEliminarSubscrevo na integra.
fq
Que revigorante o seu post, JdB! A começar pela Rainha de Portugal e depois cont., com muito humor, pelos súbditos, até "Real Love". Fantástico. Mto obrigada. MZ
ResponderEliminarJoão, é muito interessante a sua reflexão de «Ontem». A verdade é que foi, em parte, o vazio das homilias e, em parte, o pedantismo evidente de muitos dos frequentadores que acabou por me afastar das missas dominicais. E continuo a pressentir – o facto sendo particularmente expressivo nos adolescentes em que começa a despertar a consciência «social» - que muitos dos que se ligam à Igreja-ginásio o fazem para ver quem está e para ser vistos por quem está. Por isso, prefiro frequentar a igreja-ginásio (com minúscula), onde me é mais fácil concentrar-me (ainda que, se calhar, não no essencial)… Isto não significa que não valorize a sociabilidade, nem sinta, apesar das desilusões, uma crescente simpatia pelo meu próximo. ;-)))
ResponderEliminarQuanto aos Beatles, não sou uma admiradora entusiástica. Mas há umas quantas músicas que aprecio muito, entre elas a que refere: «While my guitar gently weeps». Do que conheço do grupo, aquele com que, como compositor, me identifico mais é, precisamente, o George Harrison. «Here comes the sun» é outro momento alto. :-)
Obrigado a todos pela caridade infinita da vossa visita. Espero que gostem, repitam e que zurzam o autor sempre que necessário.
ResponderEliminarGosto também de saber que alguns posts são motivo para mini-debates histórico / filosóficos sobre este desgraçado país que ainda é nevoeiro.
Para a Luísa (e que me perdoem os outros a personalização): voltarei ao tema que referiu no seu comentário, porque a percebo muito bem.
Dear JdB, I really liked your metaphor of going to church as like going to the gym, to get into shape.
ResponderEliminarAs for John Lennon, I'm very glad he has been remembered this week. At least here in England it is difficult not to be aware since there are several tv/radio programmes honouring his memory. His death was one of those few "where were you when?" moments, perhaps our own generation's JFK.
Nice choice of song, fantastic video montage of Beatles imagery. The surviving Beatles did a good job of bringing to life a Lennon basic demo song donated by Yoko. And very fitting that "Love" should be in the title since that is what Lennon preached together with its political manifestation of Peace....thanks, PO