Não consigo decidir o que é pior, ter de ir dormir ou ter de acordar. Empato o sono com assinalável destreza, recorrendo à inércia de um qualquer desinteresse televisivo ou cibernético, geralmente embrutecedor do intelecto e invariavelmente dispensável. Não sei que tipo de bicho me mordeu esta aversão à cama, mas presumo que será da mesma família do que, todas as noites, me morde uma preguiça incapacitante que se manifesta à hora de levantar. Muito mais que uma caprichosa falta de vontade, a manhã, ou a tarde, dependendo dos dias, traz com ela uma moleza avassaladora. É comovente a intensidade dos argumentos esgrimidos na luta que vou travando com a minha consciência, enquanto lanço as mãos numa desgovernada busca do botão que adia o martírio da verticalidade, dez minutos de cada vez. Não consigo decidir o que é pior, suportar as pequenas violências que nos afastam do que é ser, em essência, um vegetal, ou tolerar o inacreditável espaço que damos às trivialidades.
Zdt.
Lê-lo fez-me lembrar um escritor - daqueles "verdadeiros" - que, sentado a uma mesa cheia de papéis, jornais e livros abertos e virados ao contrário, iluminada por um candeeiro derramando uma luz verde, com a cabeça apoiada na mão, desalentado e a altas horas da noite, quando o silêncio é espesso e se cola à pele, rabisca um pensamento solto, sem pensar bem no resultado final ... não fosse a referência à cibernética, aos botões e à televisão, e o cenário poderia passar-se no séc XIX ... muito bom! pcp
ResponderEliminarCenário devastador de quem luta com o nada.
ResponderEliminarContinue por aí. Gosto muito.
pcp, o cenário que descreveu é assustadoramente próximo do contexto em que escrevi o texto, ainda bem que gostou.
ResponderEliminarAna, obrigado! =)