29 setembro 2011

São 40 anos...

O que se pode dizer sobre a morte que não tenha sido dito já? O que podemos ainda sentir que outros não tenham sentido com maior intensidade? Que luz nova poderemos incidir sobre um acontecimento que faz parte da vida desde que ela existe? Para um não crente, a morte é o fim de tudo. Para um crente, é o princípio da nossa eternidade. As duas visões têm em comum o que nos aflige e entristece por igual: o desaparecimento, a sensação do nunca mais... 

Ontem, pouco passava das 12.30h quando recebi o telefonema: sabe que morreu... Pois não sabia, só podia imaginar que receberia a notícia um dia destes, porque a saúde era frágil, a idade avançada e, para algumas pessoas, o Céu está aqui mesmo ao lado, a chamar por elas, porque há um tempo para tudo.

Com este desaparecimento reavivam-se memórias que têm exactamente 40 anos, uma data que, curiosamente, se cumpriu este mês. Quatro décadas de uma convivência próxima, muito próxima, não só com quem partiu ontem, mas com quem lhe partilhava o nome e o sangue. No fundo, com todos eles, que me acolheram e a quem sempre chamei a minha segunda família, que viviam na casa que durante a minha adolescência foi a minha segunda casa, com quem veraneei anos a fio, num Setembro inundado de felicidade juvenil.

Ao contrário de obituários mais criativos - ou simplesmente mais generosos -, interessa-me pouco referir as inúmeras qualidades de quem passou a curva da estrada. Talvez me atenha em duas que, estou certo, farão parte da concordância generalizada: o sentido de humor (melhor dizendo, a graça) e a inteligência. O resto fica no domínio íntimo de cada um, pois há pessoas que nos são demasiado ricas para se definirem por palavras, porque aquilo que nos une a elas são os momentos. 

Ontem, por volta das 12.30h de um dia claro e quente agarrado a um Verão que já não é, encerraram-se quarenta anos de uma parte do que fui, de uma parte do que sou. Não houve desaparecimentos imprevistos, não fiquei estupefacto com o evento que entristece. Fui apenas confrontado - mais uma vez - com a finitude das coisas. Para trás ficam lembranças singelas, infantis para alguns, incompreensíveis para muitos: o cheiro dos candeeiros a petróleo, o sabor da sopa de cação, a beleza inesperada de um jogo de cartas, cigarros fumados às escondidas, o terror de S. Pascoal surgido na penumbra de uma esquina. Não são trivialidades, ou talvez sejam, se acreditarmos que são elas que vão calcetando a estrada da felicidade.  

Há quem perca mais do que eu, porque a proximidade e os laços de família eram outros, mais intensos, mais afectivos, mais biológicos. Eu perdi uma pessoa de quem gostava verdadeiramente muito, porque 40 anos é muito tempo, sabem? As lembranças, essas, vivem comigo, porque uma gaveta que se fecha não tem de ser uma gaveta que se perde.

Sabe que morreu...

JdB 

4 comentários:

  1. 1 grande beijinho, João. pcp

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  2. Lindo o seu texto.
    A infância vai-se. Não desaparece com a idade, mas sim com a perda das nossas referências. Doi na alma, doi sempre, mas ficam os momentos e as lembranças.

    Sabe que morreu... é uma frase simples, sempre recebida como um murro no estômago. Abatam-se os mensageiros.

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  3. Obrig. pela sua reflexão sobre a morte das pessoas que fazem tanto parte da nossa vida. Talvez numa perspectiva de fé, veja menos a morte como uma realidade que se fecha e mais como uma transfiguração da realidade, que até ali fora evidente. Na nova forma, torna-se subtil, sem visibilidade directa, mas nem por isso menos importante ou menos positiva. É estranho tudo isto. Parece paradoxal. No fundo, cabe mal em palavras. Obrig. mais uma vez, MZ

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  4. JdB, como eu me identifico com as suas palavras!! Também eu, durante muito tempo, não há 40 mas há 20 anos, chamei a esta familia "a minha segunda familia"; aliás, nuns versos que lhes dediquei, dizia eu "esta familia a quem aprendi a amar". É bem verdade. Que tem ou teve a sorte de ser acolhido no seio desta familia, sabe bem o que é o amor e a amizade desinteressados. Á mesa há sempre lugar para mais um; Á noite, sempre se arranja mais uma cama. A alegria, a fé, a força de vida, a partilha e a musica, entre outros, são os verdadeiros alicerces desta familia. Sendo católica, a morte, para mim, mais não é do que um até sempre! Até sempre Tia M.A., olhe por nós, vele por nós,reze por nós.
    Maf

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