27 outubro 2011

Moleskine

Televisão. Anteontem, em representação da Acreditar, fui à televisão fazer um directo, como se costuma dizer. A vida é assim, e o pouco que dou à Acreditar é isto: 40 minutos de carro para lá, três minutos de intervenção após 20 de espera, 40 minutos de carro para cá. À saída, uma rapariga nova, da  Produção, e que me acompanhou, pergunta-me o que tinha achado. Respondi: não gostei. Aliás, nunca gosto. O enervamento, sabe, e acho que estive mal... Retorquiu-me ela, sempre simpática e educada: pois, eu percebo. Mas diga-me uma coisa: vocês na faculdade não aprendem estas coisas? Não me feneceu a educação nem a simpatia, mas não deixei de lhe dizer: sabe, formei-me em engenharia em 1984. Acha que nessa altura alguém, no ISEL, se preocupava com técnicas de comunicação?    

Livro (I). Janto com amigos onde é referido o último livro de José Rodrigues dos Santos, cujo título não tenho presente. Alguém refere as qualidades de investigador do jornalista escritor. Dois dias depois recebo um artigo demolidor, publicado no Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, que pode ser lido aqui. Transcrevo o último ponto, sabendo que haverá algo a alegar em defesa de JRdS: Resumindo: é lamentável que José Rodrigues dos Santos interrogue (e se interrogue) tão pouco. É lamentável que escreva centenas de páginas sobre um assunto tão complexo sem fazer ideia do que fala. O resultado é bastante penoso e desinteressante, como só podia ser: uma imitação requentada,  superficial e  maçuda. O que a verdadeira literatura faz é agredir a imitação para repropor a inteligência. O que José Rodrigues dos Santos faz é agredir a inteligência para que triunfe o pastiche. E assim vamos.

Livro (II). Leio, entremeado com outro, Pai-Nosso que estais na Terra (José Tolentino Mendonça, Ed. Paulinas, 2011). Partilho convosco um excerto que me tocou por motivos óbvios: um dos textos mais impressionantes sobre o valor da escuta é o conto “Tristeza” de Tchékov. Conta a história de um cocheiro, Iona, que perdeu um filho e não encontra, entre os humanos, ninguém disponível para o amparar. «Precisa contar como o filho adoeceu, como padeceu, o que disse antes de morrer e como morreu... Precisa descrever o enterro e a ida ao hospital, para buscar a roupa do defunto. Na aldeia, ficou a filha Aníssia... Precisa falar sobre ela também...», mas ninguém o ouve. O cocheiro volta-se então para o seu cavalo e enquanto lhe dá aveia começa a expor-lhe, num longo e dorido monólogo, tudo o que viveu. E as últimas palavras do conto são estas: «O cavalo foi mastigando, enquanto parecia escutar, pois soprava na mão do seu dono... Então Iona, o cocheiro, animou-se e contou-lhe tudo». E nós, a quem nos vamos contar?

Músicas dos dias que correm, enviado por mão amiga:

JdB


6 comentários:

  1. Bom dia JdB
    Tem graça, há bem pouco tempo tive uma discussão com um amigo que não entendia que um desabafo pode ser um monólogo.Ao envolver os outros, não queremos soluções nem respostas, só queremos que nos oiçam.Confesso que preferia uma festa no cabelo ao bafo de um cavalo, mas a minha avó, por exemplo, falava com as flores enquanto as regava e limpava.

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  2. Adoro a música.
    De facto como se consegue fazer tanto com tão pouco. É extraordinário, pacotes de manteiga, uma mesa de cozinha e três vozes afinadas. Sabe o que está por detrás disto tudo? Muito trabalho e empenho.
    Bela proposta.

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  3. Esta música é um espectáculo! Que coisa mais gira! Não há dúvida que o ser humano é equipado com as coisas mais maravilhosas que há. Neste caso: a voz! Bjs. pcp

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  4. Meu caro,
    Quanto à Televisão, não tive o prazer de te ver, mas pressinto que estás a ser muito rigoroso contigo próprio. Mas, das pouquissimas vezes que por lá apareci, tive exactamente a mesma sensação.
    No caso do JRS, o Secretariado deve ter toda a razão.
    Tchékov,extraordinário.
    Quanto à musica, prefiro o video.
    Leio sempre com especial interesse esta tua rubrica Moleskine!
    Abraço,
    fq

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  5. Está muito actual este moleskine. A música é, claramente, o 'hit' da semana no mundo cibernético.
    Deve ser do ar jovial de quem acaba de sair da faculdade...
    Bjs, MFM

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  6. Desabafo: dizem que os homens não entendem bem o significado de desabafo, pois acham que, ao desabafarmos, estamos a pedir soluções ou ajuda. Já a mulher sabe que o desabafo, em si mesmo, já é a solução. Quanto ao equino, confesso que ainda não tive o gosto de privar com nenhum.
    Musica : fabulosa
    TV: Da próxima vez, lembre-se e mandar um mailzito aos amigos a avisar :-)
    Bj, bom fds.

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