(Cabo Girão, Madeira, Janeiro de 2012, vislumbrando um barco perdido na imensidão)
Num destes dias disseram-me que eu me constituía
demasiadamente com três ou quatro acontecimentos negativos da minha vida dos
últimos anos, talvez realçando pouco o que de positivo me calhou em sorte. Ouvi
e retive, porque reconheço nalgumas pessoas a capacidade de me olharem
perspicazmente para além do desfocado ou de uma impressão repentista.
De facto, esta última década foi intensa. Fujo
de adjectivar a intensidade com injustamente, porque nalguns
aspectos a minha co-responsabilidade não é uma minudência nem um conjunto
vazio. A menção sistemática destas ocorrências faz de mim um queixoso, um
pessimista, um nostálgico, um negativo, um mal agradecido ou um maçador?
Pragmático como sou, reconheço que há o perigo desse olhar sobre o tema...
Há pouco mais de um ano elaborei, neste mesmo
espaço, um pensamento que fui repescar, porque revela muito do que penso sobre
mim: sabes, cada vez mais tenho a certeza de que não invento nada, não crio
nada, não deslindo nada. Uso as palavras que outros inventaram, tenho as
sensações que outros já definiram. E, no entanto, sinto muitas coisas como se
fosse o pioneiro delas no mundo. Vejo-me como uma criança que usa uma gravata
pela primeira vez e que responde ao fatalismo do ”já muitos a usaram antes de
ti...” com o prazer singelo da descoberta: “pois eu gosto dela como se fosse o
primeiro”.
É quase certo que estes dez anos fizeram
de mim um homem substancialmente diferente, remetendo grande parte da vida restante para uma
espécie de armário onde se guardam as memórias felizes de outros tempos. Esta década foi tão
intensa que olho para o resto da minha caminhada e lhe descortino sobretudo uma
sossegada e por vezes ingénua felicidade e, seguramente, um perigoso imobilismo próprio. Nada disto
diminui a importância dos que se cruzaram comigo ao longo do (outro) tempo – e
alguns muito proximamente –, significando apenas que conheceram um JdB
fruto de uma educação, de uma circunstância e, seguramente, de genes próprios.
Vou presumir que sei onde melhorei (se bem que
elogio em boca própria seja vitupério...), onde sou o que sempre fui e que, infelizmente, não mudarei. Sei ainda o que já não sou e que algumas
pessoas acharão uma pena. O homem em que me tornei – ou que voltei a
ser... – é consequência, não directa dos acontecimentos negativos, mas do
processo de (re)construção deles derivado, e ao qual não são alheias as
relações afectivas que mantive, desenvolvi ou criei.
Gosto desta ingenuidade com que olho para mim ou
para o mundo que me rodeia, como a tal criança que sabe que não descobriu nada
mas que, mesmo assim, se sente o inventor de uma pomada balsâmica. Vaidoso de uma resiliência que fraqueja, gosto de lembrar as pessoas a
quem devo, seguramente, a sobrevivência equilibrada. Talvez seja por isso, também, que me constituo
desta forma, como um recuperado que fala obsessivamente dos seus tempos de adição, porque eles lhe fazem lembrar a paz e os companheiros a quem vai falando dos dias bons.
Ou talvez não seja, e terei de ser mais discernido.
JdB
Querido João,
ResponderEliminarGosto destes seus insights, ajudam-me a fazer retrospectivas, a descobrir o sentido, o fio condutor da vida.
Tenho a certeza que depois destas escritas catárticas se sente mais consistente, mais uno, mais resiliente pois consegue avaliar o que em si vale mais a pena. Vejo-o cada vez mais requintado, a saber dar valor ao essencial e tenho o maior gosto em ser testemunha desse discernimento.
Beijinhos
Com ou sem discernimento e's um corajoso!
ResponderEliminarEu não vou dizer nada do texto ... mas digo da fotografia. Sua, de certeza! Está de sonho! Já pensou em dedicar-se mais à séria à fotografia?. pcp
ResponderEliminar