21 maio 2012

Vai um gin do Peter’s?

Há uns anos, correu nas salas de cinema do Brasil, e depois na Internet, o chamado anúncio branco, com um fundo imaculado e apenas um texto (em filme, apenas com voz off) a declarar que se trata de publicidade, mas sem nenhum dos ingredientes atractivos, como o bebé rechunchudo ou a top model fantástica, uma paisagem de sonho ou um sketch cómico. Isto, porque o produto nem precisa de promoção, pois já é desejado universalmente, gratuito, inesgotável, parcialmente acessível a todos e indispensável à vida. Aliás, é condição sine qua non da  qualidade-de-vida. Apenas uma particularidade: depende de cada um, começa em /por cada um. Surpreendidos?
Então sigam o caminho sugerido por um dos maiores publicitários brasileiros, que também calha a ser o mais premiado do mundo – Washington Olivetto(1), que recomenda aos comunicadores focados na persuasão para apanharem as oportunidades oferecidas pela realidade, sem cedências oportunistas. No fundo, basta deixar os factos rolar, pois a sua profissão exige andar antenado com o  meio ambiente:                                   



Claro que ajudará bastante dispor de um produto capaz, embora tudo volte a complicar-se se o produto for demasiado extraordinário ou hiper conhecido, ameaçando anular qualquer efeito externo de promoção, frustrando qualquer tentativa de diferenciação e de identidade. Nada menos do que isso enfrentou Olivetto, recorrendo a uma solução hábil. O sucesso mediático não se fez esperar. O spot é maximamente expressivo, original e cativante. Mas terá mudado atitudes? Uma questão praticamente impossível de responder. Ainda assim, aqui vai o conteúdo do anúncio branco, o filme e depois o texto:



·       Neste anúncio não figura nenhuma mulher de biquíni
·       não figura nenhum cachorro,
·       não figura nenhuma criança,
·       e não figura nenhum bébézinho.
·       Este anúncio não tem qualquer casal,
·       não há beijos,
·       e não há famílias a tomar café da manhã.
·       Este anúncio não tem música de sucesso,
·       não tem efeitos especiais,
·       e não tem nenhuma tartaruga a jogar à bola.
·       Este anúncio não tem gente famosa,
·       nem garotos propaganda.
·       Porque este anúncio é para vender um produto
·       que ninguém precisa ser convencido a comprar...
·       que todos adoram consumir
·       e que, por sinal,
·       ...todos já comprámos,
·       só que não estão a proceder a entregas
·       É um produto sem marca,
·       não tem slogans,
·       não tem embalagem,
·       nem faz promoção do tipo “leve 3, pague 2”.
·       Este anúncio é todo branco,
·       e por esse motivo...
·       pode ser compreendido em todo o mundo.
·       Aliás, seria fantástico se este anúncio...
·       pudesse passar no mundo inteiro.
·       Porque o produto que este anúncio quer vender é a...
·       ...PAZ!
·       ...e enquanto quem precisa comprar a PAZ não compra,
·       faça assim:
·       Pegue no “stock” de PAZ que ainda tem em casa
·       e...use no trânsito,
·       use nas filas do seu dia a dia,
·       use no elevador,
·       e use no futebol.
·       PAZ ...é um produto interessante!
·       Porque quanto mais usar,
·       mais vai ter.
·       E se toda a gente usar
·       quem sabe...talvez chegue um dia
·       em que ninguém mais
·       precise fazer um anúncio...
·       para vender a PAZ


Bem realistas os conselhos, actuais e pragmáticos. Gira, a recomendação de pegar no stock que ainda haja… Era difícil pedir maior expressividade a uma mensagem concebida para um público tão amplo. Apetece fixá-la, sair de casa com ela, logo pela manhã, até porque nos é obviamente favorável, além de se auto-alimentar. Género ovo de Colombo, estranhamente desperdiçada e ignorada, a mais das vezes.
A própria vida de Olivetto dava um filme, que aliás vai ser realizado a partir de uma incrível experiência vivida no final de 2001, ao ser raptado num estádio de futebol e ficar sequestrado durante um par de meses, enclausurado entre quatro paredes. 
Seguem alguns exemplos de imagens da publicidade impactante de Olivetto, com evidente efeito de rastilho, a conseguir reabilitar ideias gastas. De facto, porque não há-de ser deslumbrante aquela dupla muito antiga e austera de a «Ordem e o Progresso», se permitir melhorar substancialmente um país gigantesco?

ALERTA – não é certo que esta publicidade seja de Olivetto, embora tenha afinidades com o seu tipo de abordagem positiva.

Porque não hão-de ser relaxantes e, sobretudo, dispor bem aqueles assuntos que associamos a papelada chata e perigosamente encriptada? Mas se desencantarmos uma boa solução, não será um sossego? 


É também curioso observar quanto a publicidade está imergida na sua época, i.e., quanto os publicitários adoptam a máxima de Olivetto e acabam antenados na sua contemporaneidade. O risco deste excesso de actualidade é que poucos marketeers resistirão ao teste do tempo e conseguirão falar às gerações vindouros. Ou seja,  estarão condenados ao efeito efémero, completamente imediatista. Um caso paradigmático é o anúncio publicado nos EUA, no primeiro quartel do século XX, para combater o alcoolismo. As mentalidades (e os critérios estéticos) alteraram-se a ponto de hoje aquela campanha oferecer uma leitura oposta à pretendida, apenas conseguindo fazer-nos rir. Hoje seria um rotundo fracasso:

Conhece alguém que deixasse de beber por causa do aviso dado por este grupo?

Em última instância, o maior desafio para um comunicador de marketing será adoptar uma linguagem capaz de alcançar o futuro, com traços de universalidade que sempre encontrem eco nos homens de todos os tempos… Acredito que seja o caso do comercial em favor da paz. Ou até do fabuloso e divertido spot da Johnnie Walker, com o Rio de Janeiro por cenário:



Concluindo com o principal no interpelativo anúncio branco: quem sabe até onde nos poderá levar o empenho de cada um pela Paz?

Maria Zarco
(a  preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

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(1) Galardoado com mais de 50 Leões no Festival de Cannes, é Presidente da WMcCann do Brasil e CEO da McCann Worldgroup América Latina e Caraíbas.   

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