Comecei 3ª feira a minha pós-graduação em Artes da Escrita (Universidade Nova). Um frémito de emoção percorreu-me o corpo quando me sentei numa sala da faculdade, 28 anos depois de me ter levantado de outra. Gente vária solidarizou-se comigo nos dias precedentes. Recebi votos de bom regresso às aulas, percebi a paciência infinita com que me aturaram os nervos, recebi conselhos sábios sobre a grafite e os vários tipos de lápis, na penumbra de uma capela houve quem rezasse: que chegue depressa e bem..., manifestou-se por aí uma preocupação estética quanto ao aprumo do meu cabelo, a brancura dos meus dentes, a qualidade da minha água de colónia, o brilho dos meus sapatos, a dimensão da minha impressividade. O ministro Relvas indagou se queria réguas e esquadros (aventais presumia que não...) assegurando-me que, por ele, a qualidade da minha escrita já valia um doutoramento.
O primeiro dia foi interessante. O local indicado para a primeira aula estava desactualizado dois minutos antes, as portas estavam identificadas como gabinete (que na minha gíria é diferente de sala), mandaram-nos para um anfiteatro (identificado como auditório) de onde saía um magote de estudantes que respiraram largos minutos, com cadência e vagar, num ambiente fechado. Imagine-se a qualidade do ar legado. Dez minutos depois da hora formava-se uma turma composta por 20 pessoas, talvez, e um professor parecido com o sportinguista Pedro Barbosa, de quem diziam ser um falso lento. A esmagadora maioria dos meus jovens colegas vem de áreas ligadas à literatura. Mas havia dois professores, uma psicóloga, uma secretária, uma arquitecta, talvez, dois brasileiros, e este vosso criado. Muitos se apresentaram evidenciando o gosto pela leitura e pela escrita, deveras curioso numa pós-graduação deste tipo. Eu disse que vinha para aprender, o que me pareceu ser uma banalidade equivalente. Mencionei o livro que tinha escrito, designando-o como vagamente auto-biográfico. Expliquei, a pedido, que estava classificado na FNAC como espiritualidade ou auto-ajuda, já não me lembrava. Referi que talvez não ladeasse os da Alexandra Solnado. Houve risos, não sei se relativamente a mim, se à autora que diz falar amiúde com Jesus. Telefone que Ele atende.
A primeira aula intitulava-se Poética Contemporânea. Um dos colegas mencionou o seu gosto pela poesia contemporânea, o que provocou um esgar quase imperceptível de desconforto no professor. Afinal, não é de poesia, no sentido mais corrente, que iremos falar, mas de um certo modo de fazer as coisas. Investigue-se a origem etimológica da palavra poesia e perceber-se-á o engano. Perguntar-me-ão de que falámos. Falou-se pouco (sempre era a primeira aula), mas mencionou-se o modernismo, Rimbaud, Jorge Luis Borges, a ideia de autor e de destruição do dito, a noção de contemporâneo, alguns textos que irão ser discutidos, trabalhos futuros, etc.
Com um curso de engenharia, uma certa mente técnica, e 20 anos de fábrica, ainda pairo um pouco. O meu processo mental está perro, e tenho de me desabituar de conceitos que me são familiares, como processo produtivo, outputs e eficiências, prazos e redução de custos. Tenho de me desabituar, no fundo das coisas palpáveis. O abstracto (ainda) mexe comigo. A ver vamos, como diria o ceguinho... Para já parto, não de flor ao peito, como diria o poeta, mas com entusiasmo, que não é mais do que a ingenuidade dos limitados.
Com um curso de engenharia, uma certa mente técnica, e 20 anos de fábrica, ainda pairo um pouco. O meu processo mental está perro, e tenho de me desabituar de conceitos que me são familiares, como processo produtivo, outputs e eficiências, prazos e redução de custos. Tenho de me desabituar, no fundo das coisas palpáveis. O abstracto (ainda) mexe comigo. A ver vamos, como diria o ceguinho... Para já parto, não de flor ao peito, como diria o poeta, mas com entusiasmo, que não é mais do que a ingenuidade dos limitados.
JdB
Espero ter a oportunidade de o ir lendo ao longo deste ano. Vai ser bom vê-lo a desconstruir, para com as inseguranças de quem sabe alguma coisa, voltar a construir. Sei que vai valer a pena.
ResponderEliminarSeguirei atentamente o progresso! Buona fortuna e buon lavoro.
ResponderEliminarEntusiasmo a ingenuidade dos limitados? Oh JdB, não concordo nada. Ou melhor, é uma definição. E até a percebo. Mas também poderá ser: entusiasmo é a capacidade de tirar partido da vida.. é a sorte dos audazes... é cor que se segue à descoberta. Mas, mais que tudo, parece-me, é um dom. É o dom de escolher entusiasmar-se. E ao escolher entusiasmar-se, a pessoa entusiasma-se mesmo. Bjs. pcp
ResponderEliminarAguardo ansiosamente as cenas dos próximos capítulos. Quando estiver em exames podemos combinar manhãs de estudo, agora que se juntou aos estudantes universitários (embora haja uns de 1ª e outros de 2ª). MFM
ResponderEliminarEste novo ciclo promete!
ResponderEliminarSó hoje consegui aqui vir mas valeu a pena. Sente-se logo outra inspiração, outra motivação.
Continue a incluir-nos nesta estimulante experiência.
Beijinhos