Entro na quarta semana da minha pós-graduação em Artes da Escrita, na Universidade Nova. Cedendo à ilusão de que alguém há-de querer ler o que tenho a dizer sobre o assunto, volto ao vosso convívio para algumas notas esparsas.
Se me perguntarem, numa escala de 0 a 20, quanto tenho a dar ao curso, não hesitaria no 18. Se me perguntarem, com a mesma bonomia e escala, quanto daria ao meu aproveitamento, hesitaria na dimensão do chumbo. De facto, estou a gostar muito. Tenho dúvidas sobre o que tiro daquelas duas horas diárias em regime pós-laboral. Tal como partilhei no primeiro escrito desta série que me acompanhará, tudo aquilo me é de uma violência intelectual muito grande. Os temas são difíceis para quem pouco ouviu falar deles, a agilidade dos meus colegas (um tratou-me no outro dia por senhor...) dá-lhes uma vantagem competitiva grande, a minha vida profissional durante o dia retira-me parte do tempo que gostaria para estudar.
Exemplifico. Uma das cadeiras intelectualmente mais desafiadoras é a de Poéticas Contemporâneas (ministrada pelo prof. Fernando Cabral Martins). Ali se fala de modernismo, do pós dele próprio e da diferença entre os dois, de dadaísmo, de vanguarda, de Duchamp, de Lyotard ou de Mallarmé, mas também de Poe, de Barthes e de Foucault e das suas ideias de autor, passando por uma curta mas repetida reflexão sobre a obra de Le Corbusier. Durante trinta minutos discutimos o célebre quadro de Magritte e a frase ceci n'est pas une pipe., que ele pôs como legenda (ou seria outra coisa?). Volta e meia um dos alunos perora sobre um tema qualquer e cita autores, teorias, contra-teorias de que nunca ouvira falar e que tenho dificuldade em interiorizar. Pura e simplesmente o meu raciocínio para este tipo de actividade existe pouco - ou não existe mesmo... Tive de pedir ajuda ao professor, não para fazer o trabalho de casa, mas para perceber o que seria o trabalho de casa.
A outra face desta moeda dura e difícil é a abertura do meu espírito e da minha actividade mental, a imensidão de conceitos, ideias, nomes, escritos, com que me cruzo e que me dão uma nova perspectiva do mundo. Li contos do Jorge Luís Borges aos quais, em condições normais, daria uma profundidade de atenção reduzida. Depois da explicação iluminam-se pormenores do texto que ficariam escondidos face à ligeireza com que os deglutiria.
Quatro dias por semana parto com alegria para a Avenida de Berna, ao encontro dos meus jovens colegas e de um esplendor de cultura desconhecida que me é oferecido em duas horas de aulas. Sei que não apreendo tudo, que falho metade, que tenho dificuldades nas notas que tiro, porque as últimas que tirei no meu banco universitário passavam muito por fórmulas e demonstrações que eram escritas a giz numa ardósia. Agora é um cavalheiro a quem tratamos por professor e que fala durante cento e vinte minutos (cento e oitenta no caso das Poéticas Contemporâneas), mais coisa menos coisa. Tudo isto me faz imensamente bem, e vai mudar muito da forma como escreverei daqui a um ano, se calhar. O professor Cabral Martins não me ensina a escrever. Ensina-me a pensar, o que é algo bem mais desafiante.
JdB
Prepara-te tb para quando algum jovem bem educado se levantar para dar o lugar ao "senhor" e prepara-te tb para quando entrarem no mundo subjectivo e intimo gozares a tua agilidade ai.
ResponderEliminarHá uma frase "encapuzada" no seu texto que não deixa dúvidas quanto ao entusiasmo que você sente pelo curso e os bem merecidos 18 valores!
ResponderEliminar1ª linha ... último parágrafo :-) "parto com alegria para a Av.Berna". Ouvi-lo dizer que vem para LISBOA com alegria, só mesmo por uma razão muito forte!
Desejo-lhe todo o sucesso possivel e tiro-lhe o chapéu pela coragem.
Maf
Que Boas Notícias João!
ResponderEliminarEsse curso já está a dar fruto! Até se vê daqui o seu "brilhosinho nos olhos"!
Beijinhos e carpe diem!
Tal qualmente... pcp
ResponderEliminar