Se há edifício em Lisboa
que vale uma visita é a Fundação
Champalimaud(1). Concebido pelo arquitecto indiano Charles
Correa, desenvolve-se por um extenso terreno, entre dois edifícios de formas circulares,
ligados por pontes aéreas, vidradas, cheias de luz. As aberturas para o mar e
os espaços jardinados pontuam aqueles complexos de tom claro, criando uma
atmosfera suave e pacificante.
A localização
privilegiada, a bordejar o Tejo junto à Torre de Belém, evoca a primeira epopeia
portuguesa, protagonizada pelos marinheiros que se lançaram na descoberta dos
mares desconhecidos. Hoje, encontra paralelo na busca das ciências biomédicas –
uma viagem igualmente épica ao Desconhecido, e da maior relevância para a
Humanidade.
No laboratório da
Fundação trabalham investigadores das quatro partidas do mundo para contribuir
para o avanço dos tratamentos do cancro, da oftalmologia e de outras
especialidades clínicas. A língua de trabalho é, obviamente, o inglês, porque
naquele recanto de Lisboa reúne-se um bocadinho do mundo. O sucesso dos estudos
ali realizados tem-lhe valido prémios internacionais. Uma das áreas de ponta é,
precisamente, a sessão única para debelar as células cancerígenas, a substituir
as prolongadas (e agressivas) sessões de quimio e de radioterapia, e reduzindo
substancialmente os efeitos secundários.
Além da actividade
biomédica, a Fundação tem patrocinado iniciativas de interesse público, como a
difusão da ciência entre os mais novos, materializada pelo TIR que, há uns
anos, percorreu o país, com um laboratório ambulante a bordo para incutir nos
estudantes a paixão pela investigação científica, equiparável à mais empolgante
azáfama detective.
Diferentemente do que é
costume entre nós, a concretização do sonho de Champalimaud foi rapidíssima.
Poucos anos mediaram entre a morte do fundador que dá o nome à Fundação (2004),
e a inauguração do Centro, a 5 de Outubro de 2010. A vontade férrea da
Presidente, Leonor Beleza, e o reconhecimento do mérito deste empreendimento,
favoreceu o passo acelerado dos trabalhos, que se pautou por uma qualidade e
eficiência na construção, difíceis de igualar.
Além da notável harmonia
e beleza do conjunto, há peças dignas de nota, como a janela oval do auditório,
gigantesca, a lembrar a das cabines das embarcações. Pelas dimensões do vidro e
pelas suas características tão peculiares, teve de ser feito por medida, no
Japão, e montado por uma equipa de especialistas, sendo exibido como a jóia da
coroa, em termos arquitectónicos.
Contíguo ao centro de
investigação no edifício, a Nascente, está o simpático Darwin’s Café, com uma
vista soberba sobre o rio.
Apenas uma breve
referência ao mecenas desta obra portentosa, guardada no segredo dos deuses até
à sua morte, como só ele o saberia fazer: António de Sommer Champalimaud
(1918-2004). Empresário de sucesso e enorme visão estratégica, levou uma
existência envolta em polémicas e reviravoltas radicais. A intensidade dos 86
anos que lhe couberam em sorte, pareceram equivaler a várias vidas... Aos 19
anos, lançou-se nos cimentos, construindo um império sob o proteccionismo
industrial que vigorou durante o regime de Salazar. Ao cimento seguiu-se a
indústria do aço, o mundo financeiro e as explorações em Angola e Moçambique. De
vento em popa, dir-se-ia que nada o poderia deter. No epicentro das famosas contendas
relacionadas com a herança Sommer, viu-se obrigado a longas temporadas fora
(fugindo à justiça). Com a Revolução de 1974, foi expropriado do seu vasto
empório e voltou a fugir.
Implantando-se no Brasil,
relançou a sua fortuna, alargando os negócios à agricultura. No início dos anos
90, regressou a Portugal e recuperou parte do que lhe pertencera, nomeadamente
na banca. Individualista, acutilante, aguerrido como poucos e conflituoso era
um homem solitário.
Já com idade avançada,
decidiu doar um terço da sua fortuna em favor de uma Fundação que pudesse acudir
aos invisuais (como ele próprio, no último quartel da vida) e curar outros problemas
de saúde crónicos. Para o efeito, o valioso recheio do seu palacete na Lapa foi
leiloado pela Christie’s, em Julho de 2005. Na altura, editou-se um livro com
as principais peças das 170 que constituíam a sua colecção privada. Entre elas encontrava-se
o maior Canaletto pintado na vertical pelo artista italiano, com uma das
célebres vistas de Veneza.
Com humor, Champalimaud
observava de si próprio que tinha tido tempo
para tudo, até mesmo para se portar mal, pois bastavam-lhe um par de horas
de sono para ficar fresco e pronto a funcionar. Quando partiu, era o homem mais rico de Portugal e detinha a 153ª fortuna
a nível mundial.
Aqui vai a visita virtual
à fantástica Fundação doada a Portugal, a antecipar a visita real, quando
houver oportunidade:
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico,
para daqui a 2 semanas)
_____________
(1) Site do Centro: http://www.fchampalimaud.org/newsroom/detail/centro-de-investigacaeo/
Texto interessante e informativo, que se lê com prazer.
ResponderEliminarObg
fq
Penso q. o mérito é da própria Fundação, super inspiradora, diria.Obrig. pelo comentário tão simpático, MZ
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