Fotografia de JMAC, o homem de Azeitão |
Sou um homem dado a
nostalgias.
Sou apreciador de uma música que muitos consideram deprimente, porque o fado e a música clássica triste podem parecer isso.
Gosto muito do Outono,
dos dias que morrem mais cedo, dos nevoeiros ao som da ronca, das árvores abandonadas de folhas, do princípio da terra a cheirar a molhado.
Invejo algum
isolamento. Gosto de grandes silêncios, de penumbras, das horas perdidas a
olhar para uma paisagem que não acaba, do tempo que se despende a ver um mar que não se esgota nem se
repete.
Não fujo do que me
entristece ou me comove ao ponto das lágrimas; não procuro o bulício por gosto
ou por defesa.
Há em mim, estou
certo, uma dose grande de propensão para aquilo que muitos chamarão tristeza,
neurastenia, falta de divertimento, carácter maçador, o que quer que seja. Para minha defesa – caso dela necessitasse – não apresento aliados poderosos a não ser o que mostro de mim, pese embora as escolhas que não se coadunam com o espírito da era moderna. De
alguma forma sou o que fui consistentemente: um velho. Talvez tenha nascido assim, num desajuste frequente a uma época que nem sempre foi a minha.
De há um tempo para cá
venho conversando com uma pessoa por quem tenho uma amizade muito recente e que
atravessa momentos pessoais menos pacíficos. Entremeia as conversas comigo –
que eu aprecio pela abertura mútua – com as consultas num profissional.
Contava-me um destes dias que o técnico (um alemão) lhe recomendara a escuta de
fado para sentir a tristeza, para ir ao fundo da sua própria alma. E que remata o argumentário com a frase
lapidar, talvez mesmo inesperada: já
chorou hoje? O choro como terapia,
portanto. Ou, talvez apenas, o choro como não repulsa.
Não saberia discorrer tecnicamente sobre este
tema. Não sou especialista na arte, embora não desdenhasse ser nova-iorquino
para que um psiquiatra por conta não fosse ideia que chocasse os outros. Olho
à minha volta: há uma espécie de horror à tristeza como a natureza sempre o teve ao
vácuo. As pessoas procuram com desvairo a folia, o riso, o ruído, as
multidões, os grupos. Fogem da introspecção, das conversas a dois, da exposição
da alma, das lágrimas furtivas, das confissões libertadoras ou das perguntas que se adentram no coração alheio. As conversas são
feitas de monólogos, de afirmações que se proferem e de informações que se prestam, de histórias de sol e de neve. Devia ser só isto? Não, mas não tinha de ser só
isto.
Não faço a apologia da
tristeza, não só porque não saberia defender a minha dama, como não me parece
que seja uma aposta permanentemente certa. E, no entanto, estou absolutamente certo de que há por aí muito boa gente a
precisar de tristeza, a necessitar de ouvir fado, a carecer de diálogos onde
impere a intimidade e a partilha. A Amália canta-nos que o riso é sempre o começo/do sorriso que findou, a vida ensina-nos que quem foge
sistematicamente ao choro fará uma vida a olhar por trás do ombro. A fuga é uma sombra que nos persegue. Talvez precisemos
todos de mais tristeza, não para chorar, mas para perceber o que chorar faz por nós.
JdB
Nota: Com a devida autorização, junto um pequeno mas magnífico texto que mão amiga me redigiu na sequência de uma interpelação sobre esta coisa da tristeza. Talvez eu devesse ter estado calado e ter-me ficado pela dissertação alheia. Sempre revelava algum juízo.
***
Choro nos intervalos da vida e também nos do cinema; durante, só e
sempre na ópera.
A tristeza tem uma singular beleza. É um admirável estado de alma, é
mais do que a insípida melancolia e menos do que a temida mágoa.
A tristeza entusiasma o espírito, incentiva a imaginação, gera a saudade,
é a confidente do amor e a mãe da esperança.
Gosto de estar triste, sinto-me bem quando apoquentado por aquele
ligeiro sofrimento que nos tira a indiferença a tudo e a todos, em especial a
nós próprios.
Gosto de estar triste porque gosto de me consolar, que me consolem, de
me mimar e que me mimem.
Estar triste é esperar pela alegria que aí vem, é prezar o estar no
apeadeiro.
Mas, sobretudo, gosto de estar triste porque não gosto de estar sozinho.
A tristeza e a solidão são incompatíveis. Estar triste é um apaixonado diálogo
com os outros, é querer os outros e dos outros.
Gosto pois do choro, mas temo o pranto que me arrepia e magoa.
Não sou, nem gosto de ser, triste. Ser
triste é não ser amor. Estar triste é amar.
«What is sorrow? There is this thing called sorrow, which is pain, grief, loneliness, a sense of total isolation, no hope, no sense of relationship or communication, total isolation. Mankind has lived with this great thing and perhaps cultivated it because he does not know how to resolve it. We are going to find out if there is an end to sorrow, because without the ending of sorrow there is no love.
ResponderEliminarWhat actually takes place when you suffer? Not biologically, physiologically, but psychologically, which is much more penetrating, much deeper, much more excruciating.
You may shed tears, escape from it, never look at it, but it is always there. Sorrow is the lot of human beings, everyone knows it. We escape from it, rationalise it, justify it, or say that every human being suffers so I must suffer. Or if you are prejudiced religiously, you say it is the work of God.
Now, all those are ways and means of escaping from the fact of what is, which is sorrow.
Now, if you don’t escape, that is, if there is no rationalising, no avoiding, no justifying, just remaining with that totality of suffering, without the movement of thought, then you have all the energy to comprehend the thing you call sorrow.
If you remain without a single movement of thought, with that which you have called sorrow, there comes a transformation in that which you have called sorrow. That becomes passion.
The root meaning of sorrow is passion.
When you escape from it, you lose that quality which comes from sorrow, which is complete passion, which is totally different from lust and desire.
When you have an insight into sorrow and remain with that thing completely, without a single movement of thought, out of that comes this strange flame of passion.
And you must have passion, otherwise you can’t create anything.
Out of passion comes compassion. Compassion means passion for all things, for all human beings.
So there is an ending to sorrow, and only then you will begin to understand what it means to love»
Parabéns João por esta maravilhosa meditação!
ResponderEliminarBeijinhos sempre agradecidos