Fotografia de JMAC, o homem de Azeitão |
Começo eruditamente, citando Roland Barthes: il faut toujours défendre cette chose, en nous, dont on se moque. Cito ainda algo que ouvi e que lhe foi atribuído, embora não o tivesse podido comprovar: o estilo é genético. As duas frases concorrem para o mesmo sentido argumentativo? Não sei, sinceramente, embora na minha cabeça façam sentido, porque fala do que somos e do que devemos defender em nós, em nome da coerência.
Vem esta erudição bacoca a propósito de um jantar onde estive há quase uma semana, e onde se festejaram, de surpresa, os 60 anos de um bom amigo, de um bom homem. Para adornar a festa, foi pedido a todos os casais presentes que redigissem anonimamente um texto relativo ao aniversariante. O desafio dele seria casar escrito e autor.
Passados alguns dias, numa destas conversas electrónicas que mantenho com quem tem a caridade de me ouvir e de me falar, eu discorria sobre a hipotética relação entre o que somos e a forma como escrevemos. Como se liga a genética ao estilo? O que do nosso feitio influencia a nossa forma de redigir? É um exercício interessante, que fica para os que têm curiosidade - ou apenas vagar.
Deixo-vos com um magnífico texto que foi enviado particularmente ao aniversariante e que, com autorização de emissor e destinatário, agora publico com gosto, como se mirasse a beleza e dela tirasse matéria de estudo.
JdB
***
Alegoria
à tua celebração natalícia.
Mês de
Julho, mês da eterna Volta à França, do Tour.
Aqui a
volta não é à França, mas à Vida; no mais tudo é o mesmo.
Giras há
exactamente 21915 dias.
O “Tour” cumpre-se nesses longínquos Campos
Elísios que te acolherão para seres eternidade no Pai em que acreditamos.
Até lá,
sucessão de etapas, à cadência de cada novo dia, a vencer e a vencer-se.
Sempre mais
caminho a percorrer, sempre caminho feito, andamento, movimento; passado, presente
e futuro, irmanados e igualados pelo manto do asfalto.
Muito e
tanto já pedalaste, tudo fará sentido quando cortares a meta, chegares ao teu
Paris. Completarás aí a tua Volta à Vida e perceberás então, não antes, a razão
de cada troço, de cada quilómetro. O xadrez da bandeira que te saudará é este
teu puzzle decifrado.
Estás,
pois, numa prova e tu bem o sabes. Já provaste o mel e também o fel, já
acreditaste e também já negaste, já amaste e também já deixaste, já culpaste e
também já perdoaste, já riste e também já choraste, já deste e também já pediste,
já quiseste e também já recusaste, já lembraste e também já esqueceste, já
conseguiste e também já falhaste, já ganhaste e perdeste, já entusiasmaste e
também já desanimaste, já rumaste e também já derivaste, já falaste e também já
calaste, já viste e também já ignoraste, já gritaste e também murmuraste, já
suaste e também já tiritaste, já tudo fizeste e o seu contrário também. Excepto
fugir - nunca te escapaste ou escondeste quando era a tua vez, respondeste
sempre quando chamado, jamais te acobardaste.
Foi esse
não fugir, esse estar sempre, continuar infinitamente a lutar e a rolar, sem
parar ou até esmorecer que te valeu essa camisola amarela que, justa e
merecidamente, ostentas, e que todos respeitamos e saudamos ao ver passar.
Honra e louvor aos vencedores, campeões como tu, o público pleno de admiração saúda-te.
Sempre agarrado
ao Guiador em sua fé, equipado com o teu imenso coração, nobre carácter,
valores e inteligência, ética e senso, distinção e estética, determinação e
coragem; vais galgando a distância, cada futuro que surge, cada curva do
destino, cada lomba. Corres e voltas a correr, resistes e continuas a resistir,
acreditas e continuas a acreditar, fazes e continuas a fazer, esperas, enfrentas,
assumes e percorres cada subida intransponível, cada descida arrepiante, cada recta
interminável. Animas e conduzes, amparas e ajudas, levas a tua cruz, e também a
dos teus outros, honras a tua camisola e as tuas cores. És chefe de fila,
nasceste para o ser e ousaste sê-lo. Consegues sempre suplantar e suplantar-te.
És um líder. És um bom. És um exemplo. És uma esperança.
Tudo
porque acreditas e fazes acreditar.
Porque
falamos? Porque nós estávamos lá, nos Pirenéus do teu sofrer, mas também nos
Alpes da tua felicidade. No entretanto, rolámos juntos nas planícies da tua tranquilidade,
esperáramos-te ansiosamente nos contra-relógios da tua especialidade, aguentámos
as tuas estiradas, segurámos as tuas fugas, cobrimos os teus sprints, torcemos nas tuas metas volantes,
ansiámos nas contagens de montanha, emparelhámos nos reabastecimentos,
planeámos nos briefings, exultámos no teu pódio, enxugámos as tuas derrotas,
assistimos-te nas tuas quedas e avarias. Afinal fomos, somos, e seremos, a tua Equipe,
you will never walk alone.
Amigos?
Também, mas mais, muito mais, irmãos ciclistas deste teu Tour.
Este texto tem um problema.... acaba depressa! É, definitamente, um prazer de texto.
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