15 julho 2013

Vai um gin do Peter’s?


Dos terríveis conflitos em que, ironicamente, o século XX foi pródigo, chegando a somar duas guerras mundiais, nem tudo foi negativo, apesar da devastação em massa de populações e geografias, numa escala inédita.


Japão em 1945, numa imagem eloquente do filme «Imperador».

De facto, houve contributos positivos das guerras do século passado (em especial, na de 1939-1945) para a evolução das mentalidades, como a mudança de paradigma no estatuto dos vencedores, onde os Estados Unidos se destacaram, secundados pela Grã-Bretanha. De certo modo, os EUA aproximaram-se da máxima espectacular proferida por Churchill, mas de difícil cumprimento e nenhuma tradição na longa história da humanidade, à parte de gestos avulsos que não fizeram doutrina: ser magnânimo na vitória. A citação completa é: «In war, resolution; in defeat, defiance; in victory, magnanimity.» É significativo que a II Guerra tenha ficado conhecida, no mundo anglo-saxónica, como the last good war.

Ao centrar-se na entrada dos EUA no Japão recém-derrotado (1945), o ponto forte do filme «IMPERADOR»(1) incide, precisamente, nesse esforço de reabilitação do vencido e inimigo agora neutralizado, que urgia ajudar a reintegrar no grande mosaico das nações do mundo, onde todos, sem excepção, deviam ter voz. A delicadeza com que o povo japonês é retratado explica o sucesso da película no Japão e o facto de Webber ter sido o primeiro realizador estrangeiro a ser autorizado a filmar o Palácio Imperial.

Para se perceber a novidade desta atitude revolucionária dos vencedores (ainda que nem sempre ditada pelas melhores razões), vale a pena enquadrar o ambiente especialíssimo do final da Segunda Guerra, sobretudo no Império do Sol Nascente.

Por contraste, no Ocidente, a partir do desembarque no Dia D (Junho de 1944), multiplicaram-se os momentos em que as tropas aliadas convidaram os regimentos nazis a depor as armas e a juntar-se à sua causa, de forma respeitosa para os derrotados. Não por acaso, os prisioneiros do Reich procuravam sistematicamente entregar-se aos americanos e esquivar-se ao Exército Vermelho, que ia avançando pelo lado oriental, num efeito de tenaz sobre a Alemanha.

No Pacífico, os grandes heróis foram os norte-americanos face a uma milícia nipónica cruel, que não hesitou em recorrer aos piores métodos belicistas para tentar afirmar o seu domínio no Extremo Oriente. Não por acaso, ainda hoje são recordados pelas piores atrocidades infligidas em todos os países ocupados, das Filipinas à Coreia.   

Enquanto a 8 de Maio de 1945, a frente ocidental pôde assinar a paz, dando por finda a Guerra, na Ásia os japoneses teimavam em resistir, apesar de estarem a perder terreno desde há dois anos e sem a menor capacidade de conter o avanço do adversário. Nem o número exorbitante de mortos causados pelos raides americanos (Tóquio ficou arrasada nos bombardeios de Março de 45) e pelas operações kamikases parecia demovê-los a assumir uma derrota iminente. Preparavam-se, antes, para replicar nos mares o modelo horrendo dos kamikases, com nadadores-suicidas destinados a impedir o desembarque americano. Mesmo em zonas já desocupadas pelo exército japonês.

A 26 de Julho, na Declaração de Postdam, os Aliados intimaram formalmente as autoridades japonesas a aceitar uma derrota óbvia. Folhetos traduzidos para japonês foram largados em todo o território, a sensibilizar a população para a teimosia suicidária dos seus governantes. Sem resposta positiva, Truman mandou recorrer à temível arma nuclear. Hiroshima foi o alvo e sabemos os efeitos avassaladores daquela explosão, deflagrada pelas 8h00 da manhã, da Segunda-feira de 6 de Agosto.

A 7 de Agosto, nova saraivada de panfletos traduzidos foi lançada pelos caças americanos, incitando o povo japonês a pugnar pelo fim da guerra. Estranhamente, os líderes japoneses continuaram sem emitir qualquer sinal público de cedência, embora haja quem hoje defenda que estaria em marcha o processo de rendição, só que no segredo dos deuses, sendo apenas visível a beligerância.

A 9 de Agosto, um segundo cogumelo termonuclear arrasou Nagasaki. Os alvos tinham sido escolhidos por serem zonas de maior pujança económica e industrial, das poucas que ainda restavam.

Mais panfletos e mais raides aéreos, até à rendição incondicional a 15 de Agosto, sendo assinado o armistício a 2 de Setembro de 1945. E aqui começa o «IMPERADOR», com as cúpulas militares dos EUA ainda a bordo do voo com destino à capital derrotada.


McArthur, sempre a posar para a posteridade…

McArthur aproveitava os últimos minutos da viagem para acertar com o especialista nos assuntos japoneses, o então Coronel Bonner Fellers, os cuidados a ter com aquela gente tão exótica, delegando nele a tarefa hercúlea de avaliar, em apenas 10 dias, a responsabilidade de Hirohito no conflito. Era um dado crucial para decidir se deveria ser condenado como criminoso de guerra ou amnistiado. Sentia-se bem o peso da repercussão gigantesca de tal decisão, fosse a favor de Hirohito e contra uma maioria justiceira na opinião pública americana, fosse contra Hirohito e abrindo uma brecha talvez irreversível no apaziguamento do Império do Sol, para quem o Imperador era sagrado!

Um dilema tremendo, que Fellers solucionou com uma perícia e humanidade dignas de nota. Como é digna de nota a tolerância geral dos oficiais americanos, a par de uma vaidade egocêntrica e individualista, mas conciliadora e bem versátil, ainda que recorrendo, aqui e ali, a expedientes menos rigoroso e manipulativos. Naturalmente que também havia vozes dissonantes e mesquinhas na equipa do General. Mas estavam longe de ofuscar o carácter aberto, generoso e vanguardista dos EUA, na posição de vencedores.

Sem quebrar o suspense, são bem interessantes os flash-backs do filme para captar os alvores da Guerra, recuando aos primórdios da ligação de Fellers à civilização nipónica. Tudo começou pela sua paixão soft (nem tinha espaço para ser de outra forma), mas muito arreigada e fiel, por uma universitária japonesa, cúmulo da doçura, da sobriedade e do pudor, na acepção mais profunda. Características que perpassam na generalidade dos orientais que contracenam no filme. 

Muitos dos factos ali apresentados são verídicos e todos impressionantes. As duas filas de soldados japoneses de arma em riste, perfilados nas bermas do caminho que McArthur teria de percorrer, mal saísse do aeroporto, levantavam as piores suspeitas, embora o oficial americano especialista naquele país não vislumbrasse grande perigo. O facto é que o General resolveu arriscar, escondendo o medo numa pose sobranceira e artificialmente descontraída. Assim percorreu a célebre alameda, algo alarmado com o insólito comportamento da guarda asiática, que ia virando as costas ao seu carro, à medida que avançava o cortejo dos vitoriosos. Explicação de Fellers: não, não era uma desfeita aos novos ocupantes; antes dispensavam aos americanos a veneração mais respeitosa do seu intrincado código de honra e apenas merecida pelo Imperador, a quem nunca deviam olhar nos olhos!


A enigmática guarda de honra aos representantes dos EUA,
temendo-se uma chacina. 

Grande parte das imagens são a preto-e-branco, transmitindo melhor os tons pardos das cinzas que invadiam a paisagem calcinada de um território massacrado ad nauseam. 

O comportamento suave, informal e até humilde de Hirohito com o exército norte-americano (que não apenas com McArthur) foi outra das grandes surpresas, até mesmo (ou mais ainda) para os japoneses, em concreto para o séquito que o acompanhava naqueles encontros emblemáticos entre um semi-deus e as milícias dos EUA.

Há decisões com um eco imenso nas gerações futuras, capazes de mudar a forma de se exercer o poder e gerir a vitória. Muitas nem são conscientes. Mas nesta aterragem em Tóquio havia a plena noção do alcance do que ali fosse deliberado, transformando o rumo dos acontecimentos. E procurou-se estar à altura do desafio histórico, sendo forçoso gizá-lo num presente de lusco-fusco… como é frequente na condição humana. Só que fez toda a diferença a solução ter sido encomendada a um oficial com especial afeição por aquele país distante e bizarro, aos olhos de um ocidental. Provou ser um óptimo ponto de partida, porque decide-se melhor quando se respeita e gosta das pessoas. É tão mais construtivo o olhar de quem ama! Ideal para descobrir uma rota de Esperança.


No país do oncle Sam, nos bons tempos da faculdade.
Trailer do filme disponível no site oficial: www.emperor-themovie.com

Maria Zarco
(a  preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
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(1) FICHA TÉCNICA

Título original:
Emperor
Título traduzido em Portugal:
Imperador
Realização:
Peter Webber
Argumento:
Vera Blasi e David Klass
Produzido por:
Nick Meyer e Marc Schaberg
Duração:
105 min.
Ano:      
2012
País:
Japão/EUA
        Elenco:

Tommy Lee Jones (McArthur)
Matthew Fox (Fellers, o oficial perito no Japão)
Erico Hatsume (Aya, a paixão de Fellers), etc.
com percentagem elevada de  japoneses.
Local das filmagens:

Japão (incluindo o Palácio Imperial!) e  Nova Zelândia

Site oficial:

www.emperor-themovie.com



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