17 outubro 2013

Crónicas de um mestrando tardio

Tive ontem feedback do meu segundo ensaio. Dos comentários escritos cito o seguinte: 
1) (...) paradoxalmente, a sua maior desenvoltura neste segundo ensaio leva-o a fazer mais erros que não fez no primeiro;
2) No fundo, se a estrutura do seu argumento fosse mais sóbria, o ensaio seria melhor - mas sei que o João é completamente capaz disso.
Em minha defesa aduzi o seguinte: sabe, Professor, senti-me mais desenvolto e aventurei-me; quando dei por mim estava fora de pé e não sabia o que fazer. 
Segue o ensaio, para os que tiverem paciência ou curiosidade de ler. Curiosamente, a nota deste foi pior, mas eu percebi mais o tema. Curiosidades...

JdB

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São as metáforas “sistematically misleading expressions?

Iniciemos a resposta a esta pergunta com dois pontos prévios: uma definição e uma citação, sendo que esta última acompanhará, sem préstimo, o espírito do ensaio:
1.          sistematicamente: de modo sistemático; invariavelmente.
2.         “para quê alcançar os astros?! Para quê?! Para os desfolhar, por exemplo, como grandes flores de luz!” (Florbela Espanca)
Retomemos a pergunta de abertura: são as metáforas “expressões sistematicamente enganosas?”
Para Max Black (MB), a utilidade das metáforas reside no facto de poderem transmitir conteúdos que, de outra forma, não poderiam ser transmitidos. Talvez resida aqui, nesta ideia de MB, uma parte da resposta à pergunta de base. Como poderemos encontrar utilidade em algo que é invariavelmente enganador? Isto é, se o nosso objectivo não for o de enganar sistematicamente o nosso interlocutor, como poderemos encontrar utilidade em algo que é, de facto, sistematicamente enganador?
Para MB, uma metáfora é uma relação entre duas coisas e, para que cumpra o seu objectivo, tem de haver (e usemos, por simplicidade de raciocínio, os exemplos citados no texto):
1.          um sistema de lugares comuns associados (p. ex. , o homem é um lobo) ou
2.          características morfo-semânticas da linguagem (p. ex., a tua boca é uma latrina)
Tomemos a primeira premissa de MB para que uma metáfora funcione. O dicionário define assim o lobo:
“Zoologia: mamífero carnívoro da família dos Canídeos, feroz, semelhante a um cão grande, que habita regiões isoladas da Europa, Ásia e América do Norte.”
Não fosse o adjectivo feroz, que de alguma forma caracteriza o animal, e tínhamos apenas uma definição científica, virtualmente neutra. Comparar o homem a um lobo não é, seguramente, querer transmitir a ideia de que é um mamífero carnívoro que habita aqui ou ali, mas que há uma certa ferocidade no ser humano. Para que a metáfora cumpra o  seu efeito, é preciso , “não que os lugares comuns sejam verdadeiros, mas que sejam pronta e livremente evocados.” No limite pode acontecer que, para uma determinada zona do globo, por questões culturais, de convivência com o lobo – ou mesmo da utilidade que lhe é dada – se considere o lobo, não um animal feroz, no sentido mais negativo da palavra, mas como um animal feroz, no sentido mais positivo da palavra. A metáfora, nesse sentido, seria potencialmente enganadora, porque o sentido dado à palavra feroz seria diferente.
Por outro lado, a expressão a tua boca é uma latrina suscita um raciocínio diferente. Até onde o nosso conhecimento alcança, não haverá circunstância ou lugar do mundo onde a  frase não seja assumida como um insulto. A eficácia da metáfora assenta, neste exemplo, em características morfo-semânticas da linguagem. Não há interpretações diversas para esta expressão. A metáfora não deixa margem para dúvidas.
Em Max Black, são as metáforas “expressões sistematicamente enganosas?” Não são. Podemos reconhecer que “as regras estabelecidas da linguagem deixam uma grande latitude para a diferença, iniciativa e criação individuais” e, nesse sentido, serão, no âmbito de um sistema de lugares comuns associados, potencialmente enganadoras. Mas não sistematicamente enganadoras, diria eu.
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Sigamos agora o pensamento de Donald Davidson (DD), para quem a ideia de MB - as metáforas podem transmitir conteúdos que de outra forma não poderia ser transmitidos - é completamente absurda.   
Diz DD: “não existem instruções para a invenção de metáforas; não há um manual para determinar o que uma metáfora “significa” ou “diz”; não há nenhum teste para metáforas que não apele ao gosto”. E, neste sentido, discorda de Max Black quando este afirma que “as regras da nossa linguagem determinam que algumas expressões devem contar com metáforas”, porque para ele não existem regras de linguagem.
A tese de DD é que “as metáforas significam o que as palavras, na sua interpretação mais literal, significam, e nada mais”, acrescentando ainda que “o erro fulcral, que atacarei, é a ideia de que uma metáfora tem, para além do seu sentido literal, outro sentido ou significado”.
Diz DD: “uma consequência é a de que as frases nas quais as metáforas ocorrem são verdadeiras ou falsas num sentido normal, literal, pois se as palavras nas frases não tiverem um especial significado, as frases não contêm uma especial verdade”. E diz ainda: “se uma frase usada metaforicamente for verdadeira ou falsa no sentido vulgar, então é claro que é normalmente falsa”.
 Assim sendo, para DD a maior parte das frases será trivialmente verdadeira ou trivialmente falsa:
O homem é um lobo – a frase é falsa porque, de facto, o homem não é um lobo, pese embora as características de ambos que se podem assemelhar;
Nenhum homem é uma ilha – a frase é verdadeira, porque, de facto, nenhum homem é uma ilha, no sentido literal da palavra.
De acordo com este ponto de vista, e de acordo com o pensamento segundo o qual uma metáfora não veicula uma mensagem, não tem um conteúdo ou significado para além do literal, podemos então assumir que, à luz da teoria de Donald Davidson, as metáforas são sistematicamente enganadoras.
A metáfora que afirma que o homem é um lobo é verdadeira, porque há uma certa ferocidade no homem; a metáfora que afirma que nenhum homem é uma ilha é também verdadeira, não porque o ser humano seja dissemelhante de uma porção de terra emersa rodeada de água, mas porque todo o Homem é uma parte do continente. O sentido das frases, na boca de quem as profere e tendo em atenção o destinatário, não é o sentido literal, mas o sentido metafórico. Entender a frases literalmente é eliminar o encanto de decifrar um código e ou desvendar uma charada. É desprovê-las do entretenimento e da diversão. E é lê-las como sistematicamente enganadoras. Menos do que totalmente enganadoras, talvez, mas mais do que potencialmente enganadoras.
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“Para quê alcançar os astros?! Para quê?! Para os desfolhar, por exemplo, como grandes flores de luz!” Uma frase falsa, porque os astros não se desfolham, nem são grandes flores de luz. E, no entanto, há quem almeje alcançá-los.

1 comentário:

  1. O teu professor e' um idiota. Se nao te aventurasses nunca mais aprendias a nadar. As notas deviam ser em 2 partes - territorio a desbravar (tinha que por uma metafora) e controle de qualidade (homenagem ao teu passado industrial).
    Pela minha parte aprendi com o teu texto.

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