Tive ontem feedback do meu segundo ensaio. Dos comentários escritos cito o seguinte:
1) (...) paradoxalmente, a sua maior desenvoltura neste segundo ensaio leva-o a fazer mais erros que não fez no primeiro;
2) No fundo, se a estrutura do seu argumento fosse mais sóbria, o ensaio seria melhor - mas sei que o João é completamente capaz disso.
Em minha defesa aduzi o seguinte: sabe, Professor, senti-me mais desenvolto e aventurei-me; quando dei por mim estava fora de pé e não sabia o que fazer.
Segue o ensaio, para os que tiverem paciência ou curiosidade de ler. Curiosamente, a nota deste foi pior, mas eu percebi mais o tema. Curiosidades...
JdB
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São as metáforas
“sistematically misleading expressions?
Iniciemos a resposta a esta pergunta com
dois pontos prévios: uma definição e uma citação, sendo que esta última
acompanhará, sem préstimo, o espírito do ensaio:
1.
sistematicamente: de modo sistemático;
invariavelmente.
2.
“para quê alcançar os astros?! Para quê?!
Para os desfolhar, por exemplo, como grandes flores de luz!” (Florbela Espanca)
Retomemos a pergunta de
abertura: são as metáforas “expressões
sistematicamente enganosas?”
Para Max Black (MB), a
utilidade das metáforas reside no facto de poderem transmitir conteúdos que, de
outra forma, não poderiam ser transmitidos. Talvez resida aqui, nesta ideia de
MB, uma parte da resposta à pergunta de base. Como poderemos encontrar
utilidade em algo que é invariavelmente enganador? Isto é, se o nosso objectivo
não for o de enganar sistematicamente o nosso interlocutor, como poderemos
encontrar utilidade em algo que é, de facto, sistematicamente enganador?
Para MB, uma metáfora é uma
relação entre duas coisas e, para que
cumpra o seu objectivo, tem de haver (e usemos, por simplicidade de raciocínio,
os exemplos citados no texto):
1.
um sistema de lugares comuns associados
(p. ex. , o homem é um lobo) ou
2.
características morfo-semânticas
da linguagem (p. ex., a tua boca é uma
latrina)
Tomemos a primeira premissa de
MB para que uma metáfora funcione. O
dicionário define assim o lobo:
“Zoologia:
mamífero carnívoro da família dos Canídeos, feroz, semelhante a um cão grande,
que habita regiões isoladas da Europa, Ásia e América do Norte.”
Não
fosse o adjectivo feroz, que de
alguma forma caracteriza o animal, e tínhamos apenas uma definição científica,
virtualmente neutra. Comparar o homem
a um lobo não é, seguramente, querer transmitir a ideia de que é um mamífero
carnívoro que habita aqui ou ali, mas que há uma certa ferocidade no ser
humano. Para que a metáfora cumpra o seu
efeito, é preciso , “não que os lugares comuns sejam verdadeiros, mas que sejam
pronta e livremente evocados.” No limite pode acontecer que, para uma
determinada zona do globo, por questões culturais, de convivência com o lobo –
ou mesmo da utilidade que lhe é dada – se considere o lobo, não um animal
feroz, no sentido mais negativo da palavra, mas como um animal feroz, no
sentido mais positivo da palavra. A metáfora, nesse sentido, seria
potencialmente enganadora, porque o sentido dado à palavra feroz seria diferente.
Por
outro lado, a expressão a tua boca é uma
latrina suscita um raciocínio diferente. Até onde o nosso conhecimento
alcança, não haverá circunstância ou lugar do mundo onde a frase não seja assumida como um insulto. A
eficácia da metáfora assenta, neste exemplo, em características
morfo-semânticas da linguagem. Não há interpretações diversas para esta
expressão. A metáfora não deixa margem para dúvidas.
Em
Max Black, são as
metáforas “expressões sistematicamente enganosas?” Não
são. Podemos reconhecer que “as regras estabelecidas da linguagem deixam uma
grande latitude para a diferença, iniciativa e criação individuais” e, nesse
sentido, serão, no âmbito de um sistema de lugares comuns associados,
potencialmente enganadoras. Mas não sistematicamente enganadoras, diria eu.
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Sigamos agora o pensamento de
Donald Davidson (DD), para quem a ideia de MB - as metáforas podem transmitir
conteúdos que de outra forma não poderia ser transmitidos - é completamente
absurda.
Diz DD: “não existem instruções
para a invenção de metáforas; não há um manual para determinar o que uma
metáfora “significa” ou “diz”; não há nenhum teste para metáforas que não apele
ao gosto”. E, neste sentido, discorda de Max Black quando este afirma que “as
regras da nossa linguagem determinam que algumas expressões devem contar com
metáforas”, porque para ele não existem regras de linguagem.
A tese de DD é que “as
metáforas significam o que as palavras, na sua interpretação mais literal,
significam, e nada mais”, acrescentando ainda que “o erro fulcral, que
atacarei, é a ideia de que uma metáfora tem, para além do seu sentido literal,
outro sentido ou significado”.
Diz DD: “uma consequência é a
de que as frases nas quais as metáforas ocorrem são verdadeiras ou falsas num
sentido normal, literal, pois se as palavras nas frases não tiverem um especial
significado, as frases não contêm uma especial verdade”. E diz ainda: “se uma
frase usada metaforicamente for verdadeira ou falsa no sentido vulgar, então é
claro que é normalmente falsa”.
Assim sendo, para DD a maior parte das frases
será trivialmente verdadeira ou trivialmente falsa:
O homem é um lobo – a frase é falsa porque, de
facto, o homem não é um lobo, pese embora as características de ambos que se
podem assemelhar;
Nenhum homem é uma ilha – a frase é
verdadeira, porque, de facto, nenhum homem é uma ilha, no sentido literal da
palavra.
De acordo com este ponto de
vista, e de acordo com o pensamento segundo o qual uma metáfora não veicula uma
mensagem, não tem um conteúdo ou significado para além do literal, podemos então
assumir que, à luz da teoria de Donald Davidson, as metáforas são
sistematicamente enganadoras.
A metáfora que afirma que o homem é um lobo é verdadeira, porque há
uma certa ferocidade no homem; a metáfora que afirma que nenhum homem é uma ilha é também verdadeira, não porque o ser
humano seja dissemelhante de uma porção de terra emersa rodeada de água, mas
porque todo o Homem é uma parte do continente. O sentido das frases, na boca de
quem as profere e tendo em atenção o destinatário, não é o sentido literal, mas
o sentido metafórico. Entender a frases literalmente é eliminar o encanto de
decifrar um código e ou desvendar uma charada. É desprovê-las do entretenimento
e da diversão. E é lê-las como sistematicamente enganadoras. Menos do que
totalmente enganadoras, talvez, mas mais do que potencialmente enganadoras.
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“Para quê alcançar os astros?! Para quê?!
Para os desfolhar, por exemplo, como grandes flores de luz!” Uma frase falsa,
porque os astros não se desfolham, nem são grandes flores de luz. E, no
entanto, há quem almeje alcançá-los.
O teu professor e' um idiota. Se nao te aventurasses nunca mais aprendias a nadar. As notas deviam ser em 2 partes - territorio a desbravar (tinha que por uma metafora) e controle de qualidade (homenagem ao teu passado industrial).
ResponderEliminarPela minha parte aprendi com o teu texto.