Estou em crer que não serei original: todos os que têm uma idade idade semelhante à minha se recordam de terem dito um dia que já não fariam mais amigos, que os existentes bastavam para constituir uma reserva até que a morte nos tocasse à porta, de gadanha e caveira. A vantagem de não ter amnésia não é só lembrar datas, relações de parentesco, frases curiosas, ementas de tempos idos. Há uma dimensão libertadora no riso de disparates próprios.
Nos últimos anos travei conhecimentos, constituí recordações para memória futura, fiz amizades - embora achasse que já não era tempo para tal. Não tenho Facebook, pelo que não colecciono likes nem coisas quejandas. Aos amigos dou e solicito intimidade por igual, mesmo sabendo que todos somos uma diferença que se revela, muitas vezes, na extensão da dádiva. Ainda bem, porque estas relações também são uma espécie de vasos comunicantes.
Esta semana, por um daqueles acasos que nos batem à porta - é importante que o acaso perceba que a nossa porta se deixa visitar - encontrei uma outra virtude nestas coisas. E percebi que alguns destes amigos me ofereceram algo que aprendi numa enervada manhã de 2ªfeira, filosofando sobre ironia: a hipótese de um outro vocabulário. A nossa vida - o que somos e onde somos - encarrega-se de nos formar um conjunto de ideias, pensamentos, conceitos, valores. Formamos um vocabulário interno, que entendemos ser final, até que um encontro fortuito (e são sempre fortuitos, mesmo se encomendados pelo destino) elimine em nós este vocabulário final, para dar lugar a outro. Sãos os livros, as experiências, os filmes, os pequenos nadas, as viagens mentais ou físicas. E são os amigos. Mais este do que aquele, sobretudo muito este e menos aquele, talvez. A eles agradeço esta possibilidade de me ajudarem a substituir um vocabulário final por outro vocabulário final, forçosamente mais próximo de algo maior. Parece curto e enigmático mas para mim, dono e editor deste estabelecimento, com o dia de hoje bem presente, não é.
Para já é isto, que não tarda haverá mais…
JdB
PS: Imaginemos que tudo poderia ser visto do céu: as casas, as cidades do nosso encanto, as pessoas, as relações, as amizades, os vocabulários. Imaginemos que por um instante, toda a nossa visão subiria e a perspectiva se alterava. O que veríamos nós? Como veríamos nós? Tudo visto do céu...
Se quer ver do céu, alugue um balão. Agrupe um conjunto de amigos, aprecie, vocabule, troque imagens e experiências, reforce as amizades e ligações, mas fique-se pelo balão.
ResponderEliminarAproveito para mandar um beijo muito especial ao ATM por tudo e por ter a certeza de que seria um dos membros da tripulação.