Um dos heterónimos de Fernando Pessoa
(1888-1935) – Alberto Caeiro – dedicou um longo poema ao «Menino Jesus», no seu
estilo aparentemente descomplicado e directo, por vezes áspero, revelando muito
sobre a riqueza incrível do nascimento de uma nova vida e, mais ainda, sobre a
riqueza profunda e intemporal do Bebé de há dois mil anos, ainda hoje (escreve
o poeta) tão presente na alma humana.
Segundo A.Caeiro, foi:
O Amigo que o fez poeta,
dando significado e encanto à realidade que, frequentemente, o feria e
entediava;
Quem fez valer a pena
viver, a ele, o poeta amargurado;
O Companheiro dos
momentos mais indecifráveis de um homem triste e solitário, demasiado distante
daqueles com quem se cruzou;
A Voz íntima que lhe incutiu
algum ânimo, a ele, tão assediado pelo desespero;
O Mestre que,
pacientemente, lhe desvendou a beleza incrível da vida, a ele, a quem a
existência diária parecia atrapalhar a realização do maior desejo da sua alma.
Apesar de pouco acreditar na matéria palpável
que tecia a trama do seu dia-a-dia, este heterónimo de Pessoa retratou aquele
Amigo pequenino com os traços mais espantosos que o coração humano pode
descobrir no Outro, capaz de nos preencher em pleno:
«O (Menino
Jesus) dorme dentro da minha alma…
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural…
Ele é o humano que é natural…
E é por que anda sempre comigo que eu sou poeta
sempre…
A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim / E outra a tudo o que existe
E assim vamos… / Gozando o nosso segredo comum
Que é saber por toda a parte… / Que tudo vale a pena. (…)
…A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha
devagar para elas…»
In Poema
do Menino Jesus, Alberto Caeiro
No final do poema, que tem a ousadia de
percorrer toda a sua vida, A.Caeiro não se esquiva ao encontro derradeiro com a Criança que vive na sua alma, aludindo à hora
mais desafiadora da humanidade – a morte:
«Pega-me tu ao colo / E
leva-me para dentro da tua casa. / Despe o meu ser cansado e humano / (…) E
dá-me sonhos teus para eu brincar / Até que nasça qualquer dia / Que tu sabes
qual é.»
O Menino que, nesta composição, irradia tanta
alegria, podia pertencer aos presépios festivos e coloridos do grande escultor
português do século XVIII – Machado de Castro. Reunindo inúmeros núcleos da
vida de Jesus e das gerações posteriores, o artista moldou peças minuciosas,
onde se desenrola uma longa narrativa histórica, representada em diferentes
socalcos, para melhor diferenciar episódios expressivos do quotidiano e
apresentar um mostruário variado de perfis humanos. Quase um tratado de
sociologia, em três dimensões. A partir do núcleo central da adoração, surgem
outros núcleos, formando um mosaico de cenas unidas pelo mesmo fio condutor que
emerge da Gruta de Belém. Quanto mais afastadas do centro, mais reina a
distracção e até a agressividade. Ainda assim, todas estão, misteriosamente,
ligadas ao ser mais ínfimo do
conjunto, Aquele que torna tudo possível…
Se em 2014 formos capazes de (re)descobrir o
Menino que anda sempre connosco, é provável que o Novo Ano ganhe um sabor bem
melhor, como experimentou o poeta. Bom Dia de Reis!
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico,
para daqui a 2 semanas)
Li com muito gosto.
ResponderEliminarBom Ano.
fq
Obrigadíssima pela sua mensagem, desejando-lhe também um óptimo 2014, MZ
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