Mar - fotografia de JMAC, o homem de Azeitão |
Em seguida disse aos discípulos: “É por isso que eu vos
digo: não vos preocupeis quanto à vossa vida, com o que haveis de comer, nem
quanto ao vosso corpo, com o que haveis de vestir, pois a vida é mais que o
alimento, e o corpo mais que o vestuário.
Reparai nos corvos: não semeiam, nem colhem, nem têm
despensa nem celeiro, e Deus alimenta-os. Quanto mais não valeis vós do que as aves.
E quem de vós, pelo facto de se inquietar, pode
acrescentar um côvado à extensão da sua vida? Se nem as mínimas coisas podeis
fazer, porque vos preocupeis com as restantes?
Reparai nos lírios, como crescem. Não trabalham nem
fiam; pois eu digo-vos: Nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu com um
deles. Se Deus veste assim a erva, que hoje está no campo e amanhã é lançada no
fogo, quanto mais a vós, homens de pouca fé.
Não vos inquieteis com o que haveis de comer ou beber,
nem andeis ansiosos, pois as pessoas do mundo é que andam à procura de todas
estas coisas; mas o vosso Pai sabe que tendes necessidade delas.
Procurai, antes o seu reino, e o resto vos será dado por
acréscimo.”
(Lc, 12, 22-31)
Hoje não
é domingo, mas apeteceu-me escrever sobre a confiança, e ocorreu-me este trecho
bíblico que terei ouvido há quatro ou cinco semanas na missa.
Estou em crer que a vida das pessoas se pauta por uma relação pendular com a confiança. Há alturas em que tudo parece correr bem, outras
há em que tudo parece ser o seu contrário. Haverá quem entenda que de pensamentos sistemáticos com um determinado sinal surgem acontecimentos de igual sinal. No entanto, um certo pessimismo que me habita em permanência impele-me a outra conclusão: são os acontecimentos positivos que suscitam
pensamentos de igual sinal... Ora, acreditar neste raciocínio ou no outro é
uma visão totalmente diferente da vida: o que de bem nos acontece é uma causa
ou uma consequência, passe o simplismo de raciocínio?
A
partilha sobre a minha situação
profissional divide-se entre a frase está
tudo a andar bem e a frase estou com
pouco trabalho. Por vezes, quando é da escassez que falo tendo a acrescentar expressões que revelam apreensão quanto ao futuro. Noutros momentos
esta segunda frase sai singela, isto é, não lhe adiciono nada, pelo que apenas
constato um facto: estou com pouco
trabalho. O resto é um silêncio externo que revela confiança no porvir. O primeiro trimestre deste ano nasceu com a bandeira, içada a seco, do pouco trabalho. No entanto, no espaço de semanas a situação compôs-se: mais volume, outras alternativas, portas entreabertas. Para
já é isto, que o futuro profissional ser-me-á sempre incerto. Foi o meu sossego
interior que me trouxe mais actividade? Não. Foi uma amiga de longa data que me
deu trabalho e um colega profissional que me apresentou outro nicho. Mas o que fez a
confiança por mim? Não sei, para além do que é mais óbvio: impedir a entrada de
angústias, com tudo o que isso implica na minha relação com os outros.
Por mim
passa gente que vive realidades diversas: falências, heranças conflituosas,
dificuldades financeiras, gestão patrimonial difícil, relações afectivas
desafiantes, projectos profissionais interrogados. Olho para estas pessoas e
vejo tudo: sossego e o seu inverso, insónia e a sua inversa. O que faria a confiança pelas pessoas que
vivem mais apoquentadas? Repito: não sei. Mas se aliarmos a confiança a uma
certa relativização das coisas, como me escreviam num comentário ao post da
simplicidade, talvez se construa uma muralha forte que resista às intempéries, talvez se fabrique um tecido que cola melhor à pele do outro.
Não sou
inconsciente. Conheço a expressão do fia-te
na virgem e não corras, sei que o dinheiro não nasce nas árvores; também sei que não somos corvos nem lírios do
campo, precisamos de nos vestir e de encher os nossos celeiros. Mas talvez nos
falte esta certeza, não explicável com argumentos humanos, de que a inquietação não acrescenta um côvado à nossa existência e que Deus (e/ou os
nossos mais próximos) nos dará um certo resto por acréscimo.
Como se
constrói a confiança (equilibrada) na providência? Não sei. Só sei que nos faz
falta.
JdB
Sobre a confiança, e tendo em conta as leituras do mestrando tardio, uma frase com que me cruzei há já algum tempo e me lembro muitas vezes: "Ter fé é assinar uma folha em branco e deixar que Deus nela escreva o que quiser." Santo Agostinho (algures durante a sua vida)mfm
ResponderEliminarTenho uma grande confiança no futuro, João, mas não tenho nenhuma na Providência. A Providência parece-me mesmo ser o elemento de imponderabilidade que perturba a ordem natural das coisas, nem que seja porque cometeu erros no acto da criação.
ResponderEliminarA minha confiança no futuro tem a ver - desconfio - com confiança na minha própria capacidade de adaptação. Tem demonstrado ser, até hoje, uma boa capacidade. ;-)
Não sei o que a fé, ou a falta dela, faz por cada um.
ResponderEliminarNo meu caso, sei que ou é 100% ou não é.
E esta percentagem, compreende tudo. O que tenho capacidade de abarcar e compreender, e aquilo que me transcende. E tanto num caso como no outro, o 100% implica, Aceitação.
Mesmo que ela custe e doa (porque pode colidir com os meus mais profundos desejos), acredito que há uma sabedoria maior, que explica e justifica a causalidade e os acontecimentos.
E acredito, na minha quota parte de responsabilidade, na existência deles. passados, presentes e futuros.
A última frase de Lucas, é poderosa. Tão poderosa como a de S. Agostinho, acima mencionada.
E está tudo dito. Ou se confia, ou não.
Como faz com um amigo. Ou confia (ama) por inteiro, ou não.
Não se seleciona ou descrimina, de acordo com as nossas necessidades, gostos, fantasias, ou desejos, medos.
Abre-se os braços, o coração e entrega-se.
Porque na verdade, é uma ilusão pensar que temos um poder supremo.
Podemos e temos a capacidade de em consciência, sermos e mudarmos-nos, sempre num sentido de equilíbrio pessoal e interior, afinando e sintonizando com desígnios maiores.
Deixo-lhe uma música, (com)a minha confiança:
http://www.azlyrics.com/lyrics/leonardcohen/goinghome.html
a.
Bela fotografia!
ResponderEliminarObrigado por todos os comentários que muito me honram e me ensinam.
ResponderEliminarGoing home é uma boa metáfora para tantas coisas...
«Como se constrói a confiança (equilibrada) na providência? Não sei. Só sei que nos faz falta»
ResponderEliminarmuito interessante este post. teria muito a dizer sobre isto mas em resumo, penso que existem essencialmente 2 abordagens "sorridentes" do futuro: a primeira, aquela das pessoas que obstinadamente acham sempre o melhor de tudo, vêm o mundo e o futuro pintado em tons de cor-de-rosa e que, contra tudo e contra todos, de qualquer desastre conseguem retirar "ensinamentos", "lições" e um leque bastante amplo de coisinhas positivas, o que, em si, não é difícil: qualquer acontecimento tem sempre um lado positivo e o seu contrário, se nos esforçarmos muito, mas mesmo muito, para o ver. A razão pela qual algumas pessoas optam por NÂO se esforçar é que o resultado deste exercício de optimismo "à outrance" não convence nem traz vantagens de longo prazo. Cai-se numa espécie de denegação sistemática. Enfia-se a cabeça na areia de sorriso na boca. Há gente assim ao pontapé.
Depois há a outra vertente, que não tem nada a ver nem com optimismo, nem com pessimismo, e que se traduz na serenidade de quem vê e entende o mundo para além da sua materialidade e para quem a paz interior é indestrutível e não se prende com acontecimentos ou circunstâncias exteriores. É aquilo a que chamam nirvana (ou "graça", segundo creio, para os católicos).
A primeira vertente, como banal imitação desta quietude perante as (possíveis) adversidades, não convence os mais avisados.
Procurando, como JdB parece procurar, um ponto de equilíbrio com o qual consiga viver e não tendo ainda atingido a versão original, talvez não fosse pior, por enquanto, ficar com um saudável (manageable?) pessimismo com os pés bem assentes no chão.
v