No post de Segunda-feira
passada, o JdB (dono deste estabelecimento) terminava com uma dupla citação dos
filósofos Montaigne e Cícero, ambos concordando: «que filosofar não é outra coisa senão preparar-se para a morte, (…) aprender
a morrer para saber viver...».(1)
Vêm os filósofos francês
e romano a propósito da interligação misteriosa e indissociável entre vida e
morte, que muitos encaram como uma passagem para outra Vida, essa definitiva e
plena. Era assim que o entendia o meu pai, que hoje cito na sua reflexão sobre
o que podemos deduzir acerca dessa realidade post mortem. No seu estilo sempre
entusiasmado pela perspectiva científica, que lhe ficou da formação em
engenharia e da longa carreira de professor no Técnico e na Católica, abordou a
questão com enorme empenho, aplicando-lhe todo o rigor que pôde. Por isso, no
Domingo 28 de Setembro, em que foi rezada a Missa de Corpo Presente em sufrágio
pela sua alma, veio especialmente a propósito retomar o tema, tendo sido lido um
excerto dos escritos(2) que nos
deixou. Neles refere as inúmeras intercepções da ciência com as grandes
temáticas da vida, como Deus, o sentido da existência, a realização humana, a
ressurreição, etc. No seu entender, não há nenhuma incompatibilidade entre
ciência (e toda a abordagem científica) e Deus. Antes se evocam e certificam
mutuamente.
Aqui vão as suas palavras
cheias de Esperança sobre o que vem depois, esperando que possam contagiar-nos
com a notável Confiança que experimentou ao longo dos seus 90 anos:
Qual a
palavra da ciência sobre o que é a
ressurreição? Porquê acreditar?
Obviamente, a ciência nada nos pode dizer sobre a
vida após a morte, porque ela lhe é inacessível. Mas diz-nos algo que é muito importante sobre as duas formas de vida
que a antecedem: em ambas, tudo é
compreensível e racional. Conclui-se, assim, que a ciência aponta como
critério de verdade para decidir entre ressurreição e aniquilação (morte
absoluta), a maior ou menor coerência e racionalidade da opção.
Note-se que
esta questão é fundamental, porque, se não há vida para além da morte, nada faz
sentido. Atrevo-me mesmo a dizer que, tendo cada um de nós o poder para
antecipar a sua própria morte, a esperança (ou o temor) da ressurreição é a
razão determinante que nos prende à vida.
Exponho, a
seguir, além destas, as razões que tive em consideração para acreditar na
ressurreição:
a) Era-me evidente que Deus Se quer
revelar, e que efectivamente Se revelou, não só a mim mas a muitos mais, e
em todos os tempos; e que quer
estabelecer relações pessoais com todos os homens. Quem, como eu, aceite
esta afirmação não pode admitir que, a seguir, Deus aniquilasse as pessoas com
quem estabeleceu as relações que pretendia. Seria um absurdo. A morte não é,
pois, o fim de tudo, é só uma porta que
se atravessa, quando Deus dá por atingida a finalidade desta vida passageira.
b) Se não há vida para além da morte, o bem
e o mal perdem o seu carácter
absoluto. É certo que os anarquistas, por exemplo, negam este carácter absoluto
– “não há bem nem mal” – mas a
realidade é que todos, incluindo os
anarquistas, vivem sempre referidos a algo que, criado por eles próprios, consideram bem ou mal. Com efeito, não só
defendem o que se deve fazer (seja
isso o que for), como perseguem os que se recusam a segui-los ou os contrariam.
c) Jesus Cristo, aos judeus que O questionaram sobre a ressurreição,
lembrou-lhes que “o Deus de Abraão, de
Isaac e de Jacob não é um Deus de mortos,
mas de vivos”.
d) O preceito de Jesus Cristo, de “ser
perfeito como Deus é perfeito”, caminho sem fim a prosseguir até ao fim
desta vida, nunca atingível pelo homem, só faz sentido se for um objectivo
possível de atingir, o que remete para além do fim desta vida.
e) Como meio para atingir o objectivo da alínea anterior, Jesus Cristo
indica a mansidão e a humildade. Mas, para quê escolher viver assim, se não há consequências? Porquê não usar todos os meios, sem limitações, se até
se adequam melhor aos nossos gostos nesta vida?
f) Jesus Cristo veio realizar a remissão
do pecado. Mas a remissão foi feita
para esta vida? Se não há outra vida, para quê a remissão dos
pecados?
g) As razões indicadas nas
alíneas d), e) e f) justificam que se considere esta vida de relação como um período intermédio, de transição, para
cada um de nós aceitar Deus, como o
Senhor, e atingir um objectivo – a
perfeição do amor mútuo. Isto dá
sentido a que Jesus tenha indicado meios
para o atingir, e justifica, até, que esta provação
ou merecimento se processe numa vida de relação, vida simultaneamente
individual e colectiva.
h) Na ocasião das bodas de Caná, Jesus Cristo, ao fazer notar, antes de
atender o pedido da mãe, que “ainda não tinha chegado a sua hora”, deu a entender, implicitamente, que a ocasião oportuna
para a mãe fazer os seus pedidos seria depois
da sua hora. Mas a sua hora foi a
da crucifixão. Por isso, se não houvesse vida para além da morte, seria uma
hipocrisia prometer à sua mãe que a atenderia após a sua hora, o que é inadmissível dada a consideração que tinha
pela mãe.
i) Finalmente, Jesus Cristo pré-anunciou a sua própria ressurreição e, de
facto, segundo todos os testemunhos, ressuscitou ao terceiro dia.
(...)
Peço a
Maria, mãe de Jesus, e minha mãe (“mulher, eis o teu filho”), que se lembre de
mim na hora da minha morte.
Não é pouca coisa estes
considerandos e a conclusão de capítulo terem sido escritos quando transbordava
de saúde e se mantinha activíssimo, há poucos meses atrás. Confirma-nos que a
forma incrivelmente rápida com que partiu não o terá apanhado desprevenido nem
impreparado… De facto, o mistério que nos envolve
a todos é indizível, embora 100% benigno, desde o nosso primeiro sopro de vida.
E inspiradora a forma como Santo Agostinho O nomeia: «ó Beleza tão antiga e tão nova», reconhecendo que, no seu caso
específico: «Estavas dentro de mim e eu
estava fora, e aí te procurava... Estavas comigo e eu não estava contigo... Mas
Tu me chamaste, clamaste e rompeste a minha surdez. Brilhaste, resplandeceste e
curaste a minha cegueira.»
Haveria tanto para
agradecer, nesta hora (naquele rol infindo, típico da noite dos Óscares), mas
fico-me por desejar a cada um o melhor que testemunhei no meu pai: viver em
crescendo, até à plenitude a que somos chamados. Afinal, ninguém merece menos
do que o melhor do mundo, como quer que Lhe chame!
Maria Zarco
NOTA DE AGRADECIMENTO ao JdB pela delicadeza e
eficiência com que resolveu o adiamento do “gin”, por impossibilidade minha de
o postar na Segunda passada, conforme estava programado.
_____________
(1) Postado a 29 de Setembro.
Apesar de tudo, nunca estamos preparados para a partida dos nossos pais. Dói, dói sempre.
ResponderEliminarFlores, como diz o nosso grande poeta gi.
Lindo, Emi. Como já te referi...bjs, pcp
ResponderEliminarSe há tempo misterioso, em que se junta a dor da saudade (é tão difícil os olhos não verem!...) e saber que se partiu com muita paz para a eternidade, é mesmo esta! Obrig. ao gi e à pcp pelas vossas mens. amorosas, m.z.
ResponderEliminarAo ALA, peço desculpa pelo lapso no agradecim. que lhe era devido, m.z.
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