26 janeiro 2015

Vai um gin do Peter’s?

Um amigo com um longo historial de organização de exposições na Biblioteca Nacional (B.N.), para dar a conhecer os tesouros antiquíssimos que só saem dos cofres para as vitrinas das mostras temporárias, costumava dividir o público da B.N. por dois grupos, simplificando intencionalmente: há os apaixonados incondicionais pelos calhamaços antigos, e os outros. Ponto. O tema do livro é secundário! Quem não se emociona com a obra-prima que é uma monografia editada antes da tipografia industrial (a partir do séc.XIX), dificilmente tem pachorra para se maravilhar com aquelas páginas amarelecidas e enrugadas, cobertas de iluminuras e floreados.

Desta vez, a exposição proposta pode ir um pouco além dos amantes de livros antigos, pela forte carga histórica que tem para Portugal, recuando a uma época onde a nossa presença se estendia além-fronteiras. Na Índia, deixámos vestígios espantosos da nossa civilização, com a marca de universalidade e de abertura cultural e humana, características da lusitanidade. 

Até ao conhecido Dia de S.Valentim, estará patente, na Biblioteca Nacional (B.N.), uma mostra sobre o luso-indiano P.José Vaz (1651-1711), evangelizador do Ceilão (actual Sri Lanka), nascido em Goa, em meados do século XVII, de família brâmane. O que impressiona é o facto de a sua vida ter tocado, a tal ponto, os seus contemporâneos, que se multiplicaram logo as biografias sobre as suas aventuras na Ásia, onde se inclui o episódio tão especial de se ter oferecido para escravo, para conseguir entrar no inacessível reino de Ceilão. Naquela época, publicar um livro era um empreendimento notável, pelo que só um motivo de força maior justificaria tal esforço. A apresentação da B.N. ajuda a explicar o fascínio em volta da sua personalidade cativante e generosa, a ponto de a sua memória ter percorrido inúmeras gerações, ao longo de 3 séculos, sem falhas.

A recente viagem do Papa Francisco ao Sri Lanka voltou a colocar o nome do P.José Vaz – agora, São José Vaz – no foco dos media, aproximando-o da nossa época, ao canonizar o padre “mendigo” nascido na casta mais privilegiada, na Índia portuguesa:
  
MOSTRA até 14 fev. '15 | Sala de Referência | Entrada livre (1)


O Papa presidiu, a 14 de janeiro de 2015, no Sri Lanka, à cerimónia de canonização do padre português José Vaz, nascido em Goa em 1651. O padre José Vaz foi beatificado, em 1995, por João Paulo II, aquando de uma visita do Papa ao Sri Lanka. É o primeiro santo de origem goesa.
A Biblioteca Nacional de Portugal (BNP) assinala o evento com uma pequena mostra bibliográfica composta por diversas biografias do padre José Vaz e por uma cópia da Chronologia da Congregação do Oratório de Goa, do padre Sebastião do Rego – autor da mais completa biografia do novo santo português –, um manuscrito do século XVIII, da Biblioteca Pública de Évora.
Nascido em Benaulim (Goa), de pais com ascendência brâmane, aprende as primeiras letras e Latim em Benaulim, frequentando primeiro Humanidades na Universidade de Goa e depois Filosofia e Teologia no Colégio Académico de S. Tomás. Em 1676, em Goa, é ordenado sacerdote, aí começando a exercer o seu ministério. Dada a notoriedade que desde cedo granjeou, era frequentemente escolhido como diretor espiritual, chegando a ser confessor do governador de Goa, D. Rodrigo da Costa.



Em 1681, é nomeado vigário da Vara e superior das Missões de Canará, onde, até 1685, desenvolve intensa atividade apostólica, construindo igrejas e instituindo eremitérios. É então que tem conhecimento da difícil situação da Igreja em Ceilão, onde os padres católicos eram perseguidos pelos holandeses. Começa aí a germinar a ideia de evangelizar Ceilão e chega mesmo, dada a dificuldade de entrar na ilha, a propor ser vendido como escravo.
Em 1684, retorna a Goa onde retoma o seu apostolado. Funda, então, a Congregação do Oratório de S. Filipe Néri, da qual é eleito Prepósito. Não  abandonara a ideia de rumar a Ceilão e em 1686 resigna ao cargo de Prepósito da Congregação que fundara e parte para aquela ilha, levando apenas um breviário e o indispensável para a celebração dos ritos católicos. Veste-se como escravo e mendiga o que comia. Foi, aliás, sob o pretexto de ter de mendigar para viver que consegue embarcar. Já em Ceilão, devido ao seu aspecto andrajoso, é alvo de escárnio e maus tratos, mas nunca desiste de procurar os católicos remanescentes, aos quais ministrava os sacramentos nas suas próprias casas.
Vem a falecer em 1711, pedindo, nos seus últimos momentos, que o deixassem morrer sobre a terra nua.


Deixou em Ceilão igrejas, hospitais e uma importante comunidade católica que nas décadas seguintes continuou o seu trabalho evangelizador. Deixa também trabalhos escritos em tâmil, publicados sob pseudónimo. Sabe-se que compôs um vocabulário da língua cingalesa, que serviu aos missionários que lhe sucederam, e que traduziu o Evangelho para as línguas tâmil e cingalesa.
Em vida e depois da sua morte, são atribuídos à sua intercessão numerosos milagres, sendo ainda hoje nos locais do seu apostolado recordada a sua aura de santidade.
Conhecido como o Apóstolo do Sri Lanka, está para Goa, Canará e Ceilão como S.Francisco Xavier para o Oriente, sendo alvo de particular devoção dos católicos goeses. À data da sua morte estima-se que existissem 55 mil católicos em Ceilão. O Sri Lanka tem atualmente cerca de um milhão e meio de católicos, correspondentes a cerca de 7% da população do país.

Em Lisboa, houve mais exposições a merecer visita, como a da Gulbenkian com peças da colecção da coroa espanhola: «Tesouros dos Palácios Reais de Espanha» (terminada ontem), onde se destacavam as tapeçarias flamengas, Caravaggio sempre no seu melhor e um par de Goyas e Velasquez (diria) menores, para além de incontáveis retratos de gente de aspecto espartano e desinteressante; ou …

Pormenor da tapeçaria flamenga, do 1ª quartel do séc. XVI, «Queda a caminho do Calvário».


1609, «Salomé com a cabeça de João Baptista», no Palácio Real de Madrid.
Caravaggio pintou, pelo menos, mais uma tela sobre o mesmo tema.
Nesta, é impressionante o realismo das personagens, entre uma Salomé a querer
distanciar-se do crime horrendo em que se viu envolvida, meia envergonhada,
meia amedrontada com o resultado, e os olhares típicos da curiosidade mórbida.
Não será demais dizer que era a tela da exposição! 

… no Museu nacional de Arte Antiga, a pintura vinda também de Espanha, assinada por Francisco de Goya: «Retratos de Carlos IV, Rei de Espanha, e de Maria Luísa de Parma, Rainha de Espanha», que tinha sido encomendada pelos artífices de Sevilha para a recepção aos soberanos, aquando da sua visita à capital andaluza.

Maria Zarco
(a  preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
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 (1) Extraído do site da Biblioteca Nacional, situada no Campo Grande, nº 83 (a 5 min. a pé do metro de Entrecampos):

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