Qualquer escritor ambicioso tem dentro de si uma tensão permanente: por um lado, tem medo de ser apenas um simples imitador, influenciado pelos escritores maiores; por outro, tem a ambição de ser original e, com isso, ganhar um espaço no olimpo dos seus iguais. Tal como escreveu Harold Bloom no seu Angústia da Influência, todo o efebo, na sua inconsciência, luta contra o precursor na ansiedade de o superar. Talvez por isso (e encontrei este raciocínio aqui) o livro de Mia Couto Cada Homem é uma Raça, tenha sofrido influências de Nós, os Temulentos, de Guimarães Rosa, que por sua vez teria sofrido influências de Nós, os do Makulusso, de Luandino Vieira, que por sua vez teria sofrido influências de uma versão anterior de Nós, os Temulentos, que por sua vez teria sofrido influências de A Cidade e a Infância, de Luandino Vieira, que por sua vez teria recebido influências de Grande Sertão:Veredas, de Guimarães Rosa (e o único que li, como se inconscientemente estivesse a conhece o "pai" de tanta obra...).
Comparemos, para efeitos de estatística néscia, o número de escritores no tempo de Eça de Queiroz. Quantos seriam eles? Não faço ideia. Quantos escritores terá ele lido? Não sei. Quem o influenciou? Também não sei. Por junto, conforme se comprova por raciocínio escrito, não sei nada. Mas sei que o número de escritores que Eça terá lido será inferior ao número de escritores que terá lido um seu igual cem anos depois. Há mais disponibilidade comercial, há mais facilidade de acesso, há mais escritores.
Um destes dias, um professor catedrático comentava o conselho que havia dado a um colega da faculdade de ciências que, na iminência da reforma, começara a ler os romances da actualidade: se pode ler Tolstoy, para quê ler João Tordo? Não serei tão radical achando que nada mais se fez a seguir aos clássicos. Assumo, portanto, que entre 1900 e 2015 se produziram escritores muito bons, alguns mesmo a roçar a genialidade. Daqui por cento e quinze anos, em 2120, portanto, olharemos para trás e veremos que se produziram escritores muito bons, alguns mesmo a roçar a genialidade (a duplicação da frase é propositada). O raciocínio repetir-se-ia, portanto, até que se invente algo diferente da escrita para livros ou o mundo se transforme em frio e noite.
Talvez então a angústia da influência seja maior, até porque estamos sujeitos ao escrutínio de críticos ferozes, concorrência animal, programas informáticos que detectam plágios nas frases que escrevemos de boa fé. Um mortal escreve um livro, e o seu desejo de originalidade imortal (sim, há mortal e imortal na mesma frase) é coartado porque alguém lhe descortina influências deste, daquele e daqueloutro, como se nada fosse particularmente singular naquela construção frásica, naquela invenção de personagens, naquele desenrolar da trama. À medida que o tempo avança, o número de escritores aumenta. Talvez seja uma espécie de praga que é terreno fértil para o crescimento do plágio e para os nervos do cavalheiro abatido pela angústia da influência. Potencialmente há cada vez mais gente a influenciar-nos. Mesmo que não o faça. Como diria Bloom, "a influência poética, entre poetas fortes, actua nas profundezas".
Só muitos anos depois de Eça ter morrido lhe descobriram as influências. Harold Bloom ainda não tinha nascido, pelo que o famoso escritor não tinha angústias, a não ser, talvez, o mal que o viria a vitimar. Ou se botequim e genebra era um bom programa para as horas de lazer...
JdB
A haver alguns cronistas a serem citados no tal de 2120, então eu pugnarei pela citação de JdB, o que faço desde já á cautela, por temer estar nessa data impedido de o fazer "in real time".
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