27 março 2015

Da centrifugação do que é centrípeto

As canções e as danças de Espanha - a muinheira galega, o zortzigo vasconço, a jota aragonesa, a petenera andaluza, a seguidilha manchega, a sardana catalã e a charrada salamanquina - exemplificam, à justa, a teoria de Mantegazza, que, discreteando a respeito da mímica como expressão dos afectos e movimentos físicos, diz que a alegria é centrífuga, enquanto que a dor é centrípeta.

in História do Fado (Pinto de Carvalho, Tinop, 1903)

Nos parágrafos anteriores deste livro, Tinop discorre sobre a música de França, onde a canção exprime a alegria jovial da raça gaulesa; sobre a música dos highlanders, enevoada de tristura; sobre a música tirolesa, composta com as notas desferidas pelos pinheiros alvares alpinos; sobre a música alemã, espessa como a neblina do Reno; sobre a música italiana, que evoca a limpidez dormente dos lagos onde os barquinhos se movem como insectos sobre um espelho; e etc... 

Não resisto a transcrever o primeiro parágrafo da obra citada: É pelas canções populares que um país traduz lidimamente o seu caracter nacional e os seus costumes. A música, a necessidade de cantar, de dizer alto a sua alegria aos homens e às coisas, é uma questão de latitude, uma questão de sol. Quanto mais para o sul, mais se ouve cantar. Nós temos o fado, que cantamos porque somos do sul. Será o, ou dos, géneros musicais mais melancólicos de toda a música europeia, talvez porque despertem em nós o mais triste, mais pungente e mais suave de todos os pensamentos - o do passado.

Acontece então um facto curioso ao qual eu cheguei sem que nada de muito fascinante o motivasse. (É assim que perseguimos os lugares-comuns, as inutilidades, os petit-riens: num engano de alma ledo e cego, que a fortuna não deixa durar muito.) Como somos sulistas, cantamos; a nossa tristeza impele-nos a sermos centrípetos - isto é, voltados para o centro. Assim, encaracolamo-nos sentimentalmente sobre nós próprios - e dizemo-lo bastamente ao mundo. Na nossa tristeza, que é centrípeta, somos muito centrífugos - isto é, com tendência a afastar-se do centro. 

Ora, o carácter nacional, representando um todo, independe do carácter dos nacionais, que representam as partes? Isto é, Portugal pode ser assim, sendo que os portugueses são assado? Obviamente que nem todos os portugueses são iguais, como nem todos os espanhóis o são, ou mesmo os franceses, com as suas características marcantes. Mas, não obstante, significa que o portugal do fado revela expansivamente a sua tristeza.

Isto quer dizer alguma coisa, nomeadamente quanto aos motivos pelos quais o fado é como é - triste, confessional, maioritariamente a falar do amor-desgraça, do amor-ciúme, do amor-traição.  Repito: isto quer dizer alguma coisa. Só não sei o quê, nem para que serve saber.

JdB  

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