Poucos temas foram tão cantados em fado como a traição, a desventura no amor, o ciúme. A esse propósito, diz Alberto Pimentel no seu Triste Canção
do Sul – Subsídios para a história do fado (1904):
Uma das
coisas que mais custam a compreender na vida do fadista é o ciúme que ele tem
da mulher perdida, que todos os dias se vende ao primeiro homem que passa.
Interesse?
Afeição? Tudo isto, talvez, porque o fadista vive à custa da depravação da
amante, mas quando o ciúme o domina dir-se-ia haver nesse sentimento o que quer
que seja superior ao interesse material.
(...)
Do que
ele tem ciúme não é das carícias que a sua amante vende; é daquelas que ela
pode dar por um impulso espontâneo do coração.
(...)
(...)
***
Carlos
Augusto Conde [1901-1981] nasceu na freguesia da Murtosa, concelho de Aveiro.
Em 1936 vem para Lisboa, à procura de melhores condições de vida. Das suas três
filhas, duas morreram na mesma semana, por doença, com 7 anos e 1 ano de idade.
Profissionalmente trabalhou a maior parte da sua carreira como chefe de
escritório na firma F. H de Oliveira, na Av. 24 de Julho. Morreu atropelado por
um automóvel que galgou o passeio e o foi colher, com mais dois amigos, estando
todos placidamente sentados numa esplanada (Poetas Populares do Fado
Tradicional, Daniel Gouveia e Francisco Mendes, 2014).
Fernanda Maria canta o ciúme, visto pelo lado
da mulher. A letra de um fado é (quase) sempre um conto: apresentação dos personagens, enredo, desfecho. Carlos Conde conseguiu o pleno. Um homem que podia ter escrito apenas sobre a desgraça, que já tinha inspiração suficiente...
A música é do fado Alberto, autoria de Miguel Ramos.
A música é do fado Alberto, autoria de Miguel Ramos.
Não
passes com ela à minha rua
Ao fim de tantos anos de ser tua
Amaste outra, casaste, foste ingrato
Vi-te passar com ela à minha rua
Abracei-me a chorar ao teu retrato
Podia insultar-te quando te vi
Ferida neste amor supremo e farto
Mas vinguei-me a chorar, chorei por ti
Por entre as persianas do meu quarto
Eu bem sei que me tentas convencer
Mas o que me propões, não é bastante
Se não servi, p'ra ser tua mulher
Também não devo ser a tua amante
Casaste, sê feliz, Deus te proteja
Não te desejo mal, e tanto assim
Que não tenho ciúme nem inveja
Como a tua mulher teve de mim
Mas olha meu amor, eu não me importa
Antes que fosses dela, eu já fui tua
Podes sempre bater à minha porta
Mas não passes com ela à minha rua
JdB
ou de Vencedores
ResponderEliminarSe de mim nada consegues
Não sei porque me persegues
Constantemente na rua
Sabes que sou casada
Que fui sempre dedicada
E que não posso ser tua
Só porque és rico e elegante
Queres que eu seja tua amante
Por capricho ou presunção
Eu tenho um marido pobre
Que possui uma alma nobre
E é toda a minha paixão
Rasguei as cartas sem ler
E nunca quis receber
Jóias ou flores que trouxeste
Não me vendo nem me dou
Pois já dei tudo que sou
Ao amor que não conheces
Link: http://www.vagalume.com.br/lidia-ribeiro/perseguicao.html#ixzz3Uux4GnGm