Para
além da que se canta em fado – e mesmo essa sabe Deus... – pouco sei de poesia.
Sou um relativo apreciador tardio e muito, muito ignorante. Nem sequer posso
dizer que gosto muito de género. E serei honesto – há poesia dos chamados
poetas populares do fado, alguma já por aqui fui publicando, que me encantam
muito mais do que a de poetas consagrados.
O meu
amigo gi., com a sua sapiência e educação, deixou em aberto uma resposta à pergunta que lhe formulei:
porque se gosta tanto de Herberto Hélder? E depois de lhe ter dito que por
graça, e na sequência de um troca de mails com outro amigo querido, ATM, iria
fazer uma experiência neste estabelecimento, contrapondo poesias. E disse-me: Não há poesia; há poesias. E, ainda que existam correntes, escolas,
influências e afins, a poesia é propícia à criação de universos irreplicáveis.
Mas tentar não custa.. ou melhor, custa, mas pode valer a pena.. desde que
compare com critério. Ou então sem ele, que sei eu, o que até pode resultar
numa coisa magnífica.
Pois aqui vai a primeira experiência, num domingo de pouca inspiração
mas de satisfação, pois o Sporting lá venceu... Alexandre O’Neil nasceu em
1925, no continente; Herberto Helder é madeirense, e nasceu cinco anos
depois...
JdB
***
Bom e
Expressivo
Acaba
mal o teu verso,
mas fá-lo com um desígnio:
é um mal que não é mal,
é lutar contra o bonito.
Vai-me a essas rimas que
tão bem desfecham e que
são o pão de ló dos tolos
e torce-lhes o pescoço,
tal como o outro pedia
se fizesse à eloquência,
e se houver um vossa excelência
que grite: — Não é poesia!,
diz-lhe que não, que não é,
que é topada, lixa três,
serração, vidro moído,
papel que se rasga ou pe-
dra que rola na pedra...
Mas também da rima «em cheio»
poderás tirar partido,
que a regra é não haver regra,
a não ser a de cada um,
com sua rima, seu ritmo,
não fazer bom e bonito,
mas fazer bom e expressivo...
Alexandre O'Neill, in 'De Ombro na Ombreira'
mas fá-lo com um desígnio:
é um mal que não é mal,
é lutar contra o bonito.
Vai-me a essas rimas que
tão bem desfecham e que
são o pão de ló dos tolos
e torce-lhes o pescoço,
tal como o outro pedia
se fizesse à eloquência,
e se houver um vossa excelência
que grite: — Não é poesia!,
diz-lhe que não, que não é,
que é topada, lixa três,
serração, vidro moído,
papel que se rasga ou pe-
dra que rola na pedra...
Mas também da rima «em cheio»
poderás tirar partido,
que a regra é não haver regra,
a não ser a de cada um,
com sua rima, seu ritmo,
não fazer bom e bonito,
mas fazer bom e expressivo...
Alexandre O'Neill, in 'De Ombro na Ombreira'
***
Sobre
um Poema
Um
poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.
Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.
- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
- E o poema faz-se contra o tempo e a carne.
Herberto Helder
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.
Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.
- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
- E o poema faz-se contra o tempo e a carne.
Herberto Helder
Só pelo matinal sorriso, já valeu a pena!
ResponderEliminarJá agora, não resisto a acrescentar o facto de, cada vez que aqui venho comentar parcimoniosamente qualquer coisinha, ter de declarar que "não sou um robô" (sic). Não é poesia, deve ser o seu antónimo..
Um abraço,
gi.
Tenha por favor a gentileza de devolver a mixórdia de letras assinadas Herberto á petulância "caviar" onde pertencem e , no futuro, lançar apenas poesia contra poesia e não poeira contra luz como fez com a invocação deste Herberto.
ResponderEliminarMorra Dantas , morra PIM
abraço
ATM
Picardia interessantíssima.
ResponderEliminarCaro Atm estou de acordo consigo, porque para mim HH é ilegível (nao consigo mesmo ler nem entender).
Caro gi, o HH, segundo uma pessoa que lhe era muito próxima, era denso, profundamente obscuro e duma fragilidade tal que, sem conseguir compreende e aceitar o mundo, protegia-se na sobra de uma árvore a escrever coisas, gritos de alerta que poucos conseguiam entender. Talvez o gi consiga.
Caro(a)s amigo(a)s,
ResponderEliminarAcuso o repto, nas linhas e nas entrelinhas, mas devo dizer que não sou um bom polemista, seja em páginas de jornal, seja, mais modernamente, em formato digital.
Talvez, um dia destes, tente dar o meu contributo para a causa, desvendando a beleza e o sentido (quer dizer, uma pequena parte) de algumas poesias que podem parecer, concedo, mais herméticas, mais obscuras - o que, por sua vez, conduz a epítetos como "ilegível", "inconsequente", "presunçosa", "mero devaneio formalista". A ver vamos.
Até lá, boas leituras.
gi.