03 novembro 2023

A visão do futuro numa retroescavadora *


Uma retroescavadora. Válvulas hidráulicas, motores potentes, cabines ergonómicas com visão ampla, tracção a todas as rodas, sensores de carga, sistemas de absorção de impactos, mangueiras de alta pressão, vedantes com O-rings de face para maior fiabilidade. Etc., etc., etc.

Para uns, um equipamento que se aluga a 30€ à hora num fim de tarde, sem iva porque não há factura, é quase noite, vou ali fazer um servicinho rápido, é para uma senhora que conheço, para alisar terrenos, arrastar terras, movimentar pedras. Para outros, a extensão do braço onde há veias, músculos, rotação do punho, articulação do cotovelo, comandos que nascem no cérebro em função do que se vê, do que se quer fazer. 

Uma escavadora, aquele tridente ameaçador todo em aço, é o braço do operador. Quando ele vê, já o está a transmitir à rede de fluidos compressíveis que correm nas mangueiras e que arrancam raízes, derrubam árvores, galgam taludes. O operador não tem mão; não tem nada na mão. Quando ele olha para os dedos onde roda uma aliança redonda, gorda, toda em oiro, não vê nada, ou vê um adereço, algo postiço com valência afectiva, apenas, que o identifica enquanto visitante de café, frequentador de bilhar, homem que beija a esposa. Quando ele trabalha, o braço é a própria escavadora, são as unhas que ele sente rasparem a terra onde o estrume e a palha se misturam para que nasçam vegetais, princípios de saladas, projectos de conservas, ideias de negócio, futuros cooperativos.

Uma escavadora não é uma máquina, é a extensão de um cérebro. Experimentem ver um operador com tarimba, rápido, dominador, e perceberão que uma parte do futuro está ali. Uma inteligência ligada a um sistema hidráulico sem passar por mais nada, ou ligando tudo como se fosse algo integrado. Uma escavadora pode ser uma boa metáfora para a antecipação do porvir.

JdB

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Publicado originalmente a 16 de Abril de 2015   

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