Oiço a frase
atribuída a Teixeira de Pascoaes e fixo-a: o símbolo é o mérito das
coisas. Só então lhe junto a fotografia que encima este texto, como se
houvesse necessidade de uma imagem para uma legenda e não a inversa, que é
mais natural.
Na fotografia está
uma máquina de escrever (semelhante a uma que usei, antes do azerty - e antes ainda do qwerty - vencer o lusitano hcesar) e uma guitarra portuguesa, aparentemente de Lisboa. Na fotografia poderiam estar um voucher para Buenos Aires, um ingresso para um concerto
de Bach, ou um prato de encharcada acompanhado de um parecer médico a atestar a
sua inocuidade calórica. Às três hipóteses eu diria sim, muito, com
alegria e gosto. E no entanto, num certo sentido, o casamento dessa imagem
hipoteticamente tripla com a frase do Pascoaes não seria possível. O voucher, o
ingresso e a doçaria seriam apenas coisas, despidas, sob certas circunstâncias, de mérito
simbólico. O raciocínio aplicar-se-ia igualmente a um ovo
Fabergé ou a um cadillac (uma alusão muito vintage...). Hesitei sobre a
inclusão de um jantar com a Uma Thurman.
O símbolo é o
mérito das coisas. Esta
guitarra pode ser apenas uma miniatura de uma guitarra portuguesa, semelhante a
uma caneta bic, a um clip desdobrado numa espargata metálica para desencravar
algo, ou a um agrafador de marca bambi. Mas pode ser um símbolo, que
não da canção nacional, porque esse seria um demasiadamente universal e,
portanto, impessoal. Quem lhe atribui esse simbolismo? Estou em crer que é sempre quem recebe, não quem o dá - no caso
de ser uma oferta. É o recipiente da coisa que o define, pelo que
um ovo Fabergé dado por amor poderá não ser mais do que um artigo caro, valioso
- sem simbolismo, portanto. Ou, matematicamente, uma espécie de simbolismo elevado
a menos um.
Assim sendo, e num pensamento
totalmente peregrino que nada tem a ver com os artigos expostos, apenas com o
raciocínio sobre o poder de determinação do simbolismo, ocorreu-me que a
fórmula matrimonial do recebe esta aliança em sinal do meu amor...
deveria ser alterada para recebo
esta aliança em sinal do meu amor... Séculos de tradição abalados por uma conjugação verbal. Patetices, no fundo.
Sou receptor e, por isso, sou eu que estabeleço o simbolismo. Não obstante agradeço os objectos, que já vêm carregados de algo. O texto acima não é mais do que um devaneio intelectual de um homem beneficiado generosamente com uma máquina de escrever e uma guitarra portuguesa.
Sou receptor e, por isso, sou eu que estabeleço o simbolismo. Não obstante agradeço os objectos, que já vêm carregados de algo. O texto acima não é mais do que um devaneio intelectual de um homem beneficiado generosamente com uma máquina de escrever e uma guitarra portuguesa.
JdB
Recebo este texto em sinal da minha admiração e agradecimento pela literatura que o JdB vai criando e partilhando e que é o mérito da coisa
ResponderEliminarRecebo esta fotografia em sinal da minha devotada amizade.