28 agosto 2015

Um poeta, dois poemas

Nome de Rua

Deste-me um nome de rua
Duma rua de Lisboa.
Muito mais nome de rua,
Do que nome de pessoa.
Um desse nomes de rua
Que são nomes de canoa.

Nome de rua quieta, 
Onde à noite ninguém passa,
Onde o ciúme é uma seta,
Onde o amor é uma taça.

Nome de rua secreta,
Onde à noite ninguém passa,
Onde a sombra do poeta,
De repente, nos abraça!

Com um pouco de amargura,
Com muito da Madragoa.
Com a ruga de quem procura, 
E o riso de quem perdoa.

Deste-me um nome de rua,
Duma rua de Lisboa!

David Mourão-Ferreira


***

Paisagem

Desejei-te pinheiro à beira-mar 
para fixar o teu perfil exacto. 

Desejei-te encerrada num retrato 
para poder-te contemplar. 

Desejei que tu fosses sombra e folhas 
no limite sereno dessa praia. 

E desejei: «Que nada me distraia 
dos horizontes que tu olhas!» 

Mas frágil e humano grão de areia 
não me detive à tua sombra esguia. 

(Insatisfeito, um corpo rodopia 
na solidão que te rodeia.) 

David Mourão-Ferreira, in "A Secreta Viagem"

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