11 setembro 2015

Dos pormenores

Para a T. e para o F.

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Já aqui escrevi sobre este tema: tenho uma atenção errática aos pormenores. Profissionalmente sempre fui desatento, não tenho imaginação para, num tabuleiro de pequeno-almoço, criar uma nota que dê um toque de requinte. E no entanto sou atento a outros detalhes: uma madeixa descaída sobre um olho, uma cicatriz num pulso, uma curva delicada numas costas, uma sorriso tímido que se revela mediante uma palavra-chave. A minha atenção ao pormenor tem um objectivo - a criação de uma história, a imaginação de uma vida, a suposição de um fetiche numa existência alheia. Não é por romantismo, estética ou outra coisa qualquer. É apenas uma imaginação a querer furar a opacidade de qualquer coisa. É apenas, com um grande pudor pela apropriação da frase, a louca da casa.  

Pessoa que me é muito querida enviou-me esta imagem de um cadeado, tirada na Florença onde estive há poucos anos, na ponte onde estive na mesma altura. Talvez o cadeado já lá estivesse, talvez tivesse sido posto depois por alguém que, de olhos postos num amor que se vai destruindo, num afecto que não subsiste ou numa relação que agora (re)começa, diz ao futuro: não desistirei. A imaginação é infinita, não limitada por legislação ou princípios morais.  


A fotografia pode ser apenas um cadeado - talvez barato, made in China - preso a uma travessa de uma ponte. Mas a fotografia pode ser o fotograma de um filme, um grande plano de duas pessoas que se encontraram fortuitamente no passado, que se olharam, se apaixonaram e decidiram fixar o mesmo ponto no horizonte. O cadeado pode ser apenas a junção engenhosa de peças metálicas, torneadas a preceito e respeitando os parâmetros de qualidade. Mas o cadeado pode ser o lugar geométrico de duas almas presas uma à outra, ligadas para sempre porque a chave que as desprende - o egoísmo, o orgulho, a violência verbal, o rancor - foi atirada à corrente forte de um rio que não pára. Esta chave desprende, não liberta, porque a verdadeira liberdade é a ligação que perdura. Só somos donos das coisas quando delas podemos dispor, e a liberdade que entregamos é o nosso melhor activo.

Esta ponte - se é a ponte que eu imagino - está pejada de cadeados iguais. Um, dois, cem, três mil. Mas só um, este mesmo que foi fotografado, é o protagonista do filme certo, intitulado não desistirei. Porque foi este cadeado que reteve o olhar de quem o quis ver, não com os olhos que vêm o típico, mas com o coração que adivinha o amor.

JdB 

1 comentário:

  1. Muito bom! Gostei muito desta imagem e da sua meditação.
    Obrigada e beijinhos

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