28 setembro 2015

Encontros e histórias

Sábado estive neste encontro de famílias. Durante um fim de semana, quase cem pessoas, entre pais, irmãos, crianças doentes, crianças que já estiveram doentes, voluntários e profissionais, reúnem, passeiam pela praia, aprendem a dançar, fazem jogos, conversam do  passado, do futuro, de esperança. Na minha mesa de almoço, onde me sentei por acaso, duas famílias: uma de Sintra, a outra de Fermentelos. Numa delas um rapaz de 18 anos, já recuperado; na outra, um rapaz de 13 anos, recuperado há 10, significando, portanto, que foi apanhado pela doença quando tinha 3. As mães não se conheciam mas a conversa sai fluida, porque ambas sabem o que passaram. Fora o sotaque, são ambas naturais da pediatria de um IPO regional.

Não repetirei o que significam estes encontros para mim. Não o encontro em si, mas a confrontação com tantos pais e crianças que começam agora uma luta, continuam uma luta ou, como no caso de um rapaz de uma mesa ao lado - a visão terrível da injustiça da vida - percebem que a luta vai terminar por KO, e perguntam o porquê do combate, ou porque tarda o KO, que o corpo está cansado e o ânimo tem dias. Ao despedir-me, o pai deste rapaz esboçou um sorriso: até amanhã! Digo sempre até amanhã! Vê-lo-ei na festa de Natal ou imaginar-lhe-ei o Natal. Tudo seguramente já sozinho, sem o filho.

Duas outras histórias, de sinal muito diverso:

Brinco com uma criança de dois anos, pertencente ao mundo da Acreditar que, ao colo da mãe, faz uma birra de sono. Digo-lhe patetices, brinco-lhe com os dedos ou com o cabelo, deixo que me dê palmadas na mão. A criança chora, e não se cansa de repetir: a culpa é minha, a culpa é minha... Todos sabemos, face à desestruturação das famílias, que algumas crianças doentes têm sentimentos de culpa, assumindo uma responsabilidade pela aparente desagregação de uma família que se separa durante os tratamentos. Mas uma criança de dois anos? O que ouvirá ela e que repete, numa birra que se deseja de sono?

Encontro duas miúdas pretas (ou negras, se preferirem): cabelo afro, caras giras, despachadas, conversadoras, simpáticas, sociáveis. Converso com uma e pergunto-lhe o nome, um nome tipicamente africano, como ela é, a irmã e a mãe. Pergunto-lhe: donde é que és?  A resposta veio pronta: de Vila Franca. O mundo será isto: uma criança preta, de Vila Franca, que casará com um rapaz africano de uma cidade próxima. Um dia encontrarei os filhos dela. Terei de subir até à geração dos avó (eu sou de Muge, o meu pai de Alverca do Ribatejo) até que me digam: somos de Angola... Os cabelos, esses serão afro, como será o menear das ancas, completamente separadas do resto do corpo, porque ela ainda não é bem de cá: por enquanto só nasceu cá...

JdB

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