22 outubro 2015

Debates dos dias que correm

Famílias gay. Ter dois pais ou duas mães divide opiniões

CATARINA CORREIA ROCHA E MELISSA LOPES 17/10/2015 21:29

Famílias que juntam dois pais ou duas mães estão em minoria. E quando o tema envolve crianças, as opiniões dividem-se: de um lado estão os que consideram não ser benéfico, do outro, os que defendem que na base de tudo está o amor, independentemente do género.

Há cinco anos, Portugal juntou-se ao conjunto de países que permitem casamentos civis entre pessoas do mesmo sexo. Mais de 1500 uniões depois, a adopção e co-adopção de crianças por casais gay ainda não é uma realidade legislativa no nosso país. Quando o assunto é discutido, os argumentos dividem-se entre os que acreditam que uma criança educada por duas pessoas do mesmo sexo pode desenvolver problemas relacionados com a sua personalidade e os que defendem exactamente o oposto: que não existe qualquer diferença no seu crescimento. 

Socorrendo-se dos mais de 700 estudos realizados na Europa e nos Estados Unidos, o pediatra Mário Cordeiro está convencido de que “viver numa família em que o casal é do mesmo sexo não traz, por si, qualquer problema para a criança”. Já a psicóloga infantil Rita Jonet duvida da veracidade dessas investigações: “Há muitos estudos contraditórios. Em termos científicos, há muito poucos fidedignos e acabam por ser enviesados consoante as pessoas que os estão a fazer.” A psicóloga defende ainda que, do ponto de vista da criança, “não é natural” ter dois pais ou duas mães. Na escola, ter uma família diferente pode gerar alguns problemas: “Trabalho num colégio e a experiência que tenho é que é muito complicado para as crianças explicarem esta parentalidade”, afirma. 

Mário Cordeiro acredita que os problemas estão na mente dos adultos e não na das crianças. As questões que “eventualmente surjam têm a ver com a sociedade e os pseudovalores que esta queira definir, estigmatizando pessoas”, defende, acrescentando que há muitos factores a condicionar a infância e a juventude, “desde a escola onde se anda, os professores que se têm, a casa onde se mora e os valores que são transmitidos”. Em contraponto, Rita Jonet considera que, no desenvolvimento da personalidade, a diferença, seja ela qual for, traz insegurança à criança. Esta é uma fase em que não gostam de ser diferentes dos outros: “Para assumirem isso, é preciso trabalhar com eles de uma forma consistente e sistemática.” Quanto à dialéctica pai/mãe, a psicóloga explica que as crianças têm de ter estes papéis na cabeça e esta questão “é tão importante” que mesmo quando “não têm, fantasiam com isso”.

PAI E MÃE. Em termos teóricos, defende Rita Jonet, a criança precisa sempre, para um desenvolvimento adequado, de ter as facetas feminina e masculina: “O feminino como gerador de vida e o masculino como aquele que vai mais à luta.” O mesmo é dizer que uma criança precisa de um pólo maternal e de um paternal, representando o primeiro a regressão e segurança, e o segundo o crescimento e a ousadia. Em casais heterossexuais, nos tempos correntes, homens e mulheres desempenham esses dois papéis: “Um pai que embala um filho ou lhe dá banho está a fazer de mãe. Uma mãe que leva ao infantário ou estuda com a criança está a fazer de pai”, sustenta Mário Cordeiro. Assim, “interessa é que a criança possa contar com esse triângulo psicológico pai-mãe-ela, mas não importa se, em termos de pessoas, elas são do mesmo sexo ou de sexos diferentes.” 

A psicóloga infantil critica esta posição, explicando que “se está a menosprezar a dualidade pai/mãe com a quantidade de famílias diversificadas”, mas não necessariamente apenas com as famílias arco--íris. Para Rita Jonet, “a família tradicional, com as suas características mais naturais, dá mais equilíbrio à criança”. A mãe e o pai têm características completamente diferentes: “No dia-a-dia, a mãe até pode estar a trabalhar e o pai em casa, mas isso não quer dizer que a característica maternal não exista na mesma”, justifica. 

Um dos argumentos que têm sido mais usados e que é “cientificamente errado”, sublinha Mário Cordeiro, é o do impacto que um ambiente familiar composto por duas pessoas do mesmo sexo poderá ter na relação e descoberta da própria sexualidade dos filhos. “Se uma pessoa, para ter uma orientação sexual homo, tivesse de viver com pais do mesmo sexo, então não haveria homossexuais”, sustenta o especialista. 

Sexualidade e amor. Na opinião do pediatra, não há relação entre o percurso da sexualidade de uma pessoa e a dos seus pais. Aliás, Mário Cordeiro está convencido de que “uma criança ou adolescente nem quer nem deve saber nada sobre a vida sexual dos pais”. 

As manifestações de amor, “sejam de um casal hetero ou homo, sê-lo-ão sempre de amor”, explica, lembrando que a orientação sexual não é adquirida ao longo das vivências, mas é sim um processo inato e biológico que não faz “de um gay menos homem” nem transforma uma lésbica num homem. “Trata-se apenas de ter, como objecto de desejo sexual e de paixão e amor, uma pessoa do mesmo sexo”, resume o pedopsiquiatra. E poderão estas crianças desenvolver comportamentos homofóbicos por lidarem com o preconceito? Sim, “mas tanto como a população em geral”, responde Mário Cordeiro.

Sobre a possibilidade de adopção por casais do mesmo sexo, Rita Jonet está reticente: “Do ponto de vista das crianças, não acho, à partida, bem. Mas cada caso é um caso.”

Já Mário Cordeiro usa a ironia para reforçar a sua posição. Para o pediatra, o argumento de que “não é natural” é tão “estúpido como usarmos roupas porque está frio, óculos quando não vemos bem ou deslocarmo-nos a 100 km/h quando o natural é deslocarmo-nos a 4 km/h ou, no máximo, 36 km se formos o Usain Bolt e, mesmo assim, só por 100 metros”.

http://www.ionline.pt/artigo/417520/familias-gay-ter-dois-pais-ou-duas-maes-divide-opinioes?seccao=Portugal_i


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