11 novembro 2015

Poemas dos dias que correm

"Cristo na cruz. Os pés tocam a terra.
Os três madeiros são de igual altura.
Cristo não está no do meio. Ê o terceiro.
A negra barba pende-lhe sobre o peito.
O rosto não é o rosto das gravuras.
É áspero e judeu. Não o vejo e continuarei
a procurá-lo até ao dia derradeiro
dos meus passos pela terra.
O homem alquebrado sofre e cala.
A coroa de espinhos fere-o.
Não o alcança a mofa da plebe
que viu sua agonia tantas vezes.
A sua ou a de outro. Dá o mesmo.
Cristo na cruz. Desordenadamente
pensa no reino que talvez o espere,
pensa numa mulher que não foi sua.
Não lhe é dado ver a teologia,
a indecifrável Trindade, os gnósticos,
as catedrais, a navalha de Occam,
a púrpura, a mitra, a liturgia,
a conversão de Guthrum pela espada,
a Inquisição, o sangue dos mártires,
as atrozes Cruzadas, Joana D’Arc,
o Vaticano que abençoa exércitos.
Sabe que não é um deus e que é um homem
que morre com o dia. Não se incomoda.
Incomoda-o o duro ferro dos cravos.
Não é um romano. Não é um grego. Geme.
Deixou-nos esplêndidas metáforas
e uma doutrina do perdão que pode
anular o passado. (Esta frase
escreveu-a um irlandês numa prisão.)
A alma procura o fim, apressada.
Escureceu um pouco. Já morreu.
Anda uma mosca pela carne quieta.
De que me pode servir que aquele homem
tenha sofrido, se sofro agora?»

Os Conjurados [Los Conjurados], Jorge Luis Borges  (Tradução de Maria da Piedade M. Ferreira e Salvato Teles de Meneses, Ed. Difel)

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