11 dezembro 2015

Da esperança (post dedicado ao A.)

Apanho do Mia Couto uma frase interessante, que confirma a ideia de que a esperança é (ou pode ser) o mais frágil dos sentimentos. Diz o escritor moçambicano: A esperança não é a última a morrer ainda que possa ser a primeira a matar-nos

Esta semana, mantendo uma tradição que me dá gosto, escrevi aos profissionais e voluntários da Acreditar: agradeço-lhes tudo o que fazem e desejo-lhes um Santo Natal. Todos eles, por esta altura, confrontam-se ainda mais com gente cuja sensibilidade está à flor da pele: famílias que passam o Natal fora de casa à vista de um hospital; famílias que passam um Natal amputado de quem já partiu ou com quem tem um fim anunciado; famílias que transbordam de alegria por um sufoco que desapareceu. Todas elas foram visitadas pela esperança que é a última a morrer, mas também pela esperança que é a primeira a matar-nos. E o Natal, no que parece ser uma crueza do destino, amplia tudo isto. 

Hoje, pessoa de quem sou amigo receberá, espera-se, uma boa notícia. Não sei se já tinha desesperado e se manteve estoicamente (numa referência a Séneca, mais abaixo) no lugar que lhe coube, ou se manteve a esperança de uma folha de papel onde frases formais e sem criatividade transformam um deserto num oásis. Outros, à mesma hora, no mesmo dia, numa simultaneidade metafórica, não recebem nada, ou recebem a confirmação de um fim. A mesma esperança que não morre ou que é a primeira a matar-nos, porque a desesperança é de uma facilidade que incomoda.

Esta semana jantei com um casal de amigos (o itálico é porque ela é uma amizade muito recente e a ele conheci-o naquele dia). São ambos viúvos, tendo juntado na mesma casa crianças pequenas que têm um elo potencialmente mais forte que o sangue: passaram todas pelo desgosto violentamente prematuro da perda de um progenitor. Falámos da dificuldade da vida, das soluções ou das estratégias que amenizam os desencontros e as agruras. Ele falou em gratidão: agradecermos o que temos, o que nos dão, o que recebemos, e também o que somos. A esperança também se alimenta disto, do que já existe e que é combustível para andar, não para queimar, porque tudo o resto é uma interrogação.

Que não nos falte a esperança que se alimenta da gratidão, essa palavra tão luminosa.

JdB

Um destes dias ao fim da tarde, de iPhone na mão

O Temor Combate-se com a Esperança

Não haverá razão para viver, nem termo para as nossas misérias, se fôr mister temer tudo quanto seja temível. Neste ponto, põe em acção a tua prudência; mercê da animosidade de espírito, repele inclusive o temor que te acomete de cara descoberta. Pelo menos, combate uma fraqueza com outra: tempera o receio com a esperança. Por certo que possa ser qualquer um dos riscos que tememos, é ainda mais certo que os nossos temores se apaziguam, quando as nossas esperanças nos enganam. 

Estabelece equilíbrio, pois, entre a esperança e o temor; sempre que houver completa incerteza, inclina a balança em teu favor: crê no que te agrada. Mesmo que o temor reuna maior número de sufrágios, inclina-a sempre para o lado da esperança; deixa de afligir o coração, e figura-te, sem cessar, que a maior parte dos mortais, sem ser afectada, sem se ver seriamente ameaçada por mal algum, vive em permanente e confusa agitação. É que nenhum conserva o governo de si mesmo: deixa-se levar pelos impulsos, e não mantém o seu temor dentro de limites razoáveis. Nenhum diz:

- Autoridade vã, espírito vão: ou inventou, ou lho contaram. 

Flutuamos ao mínimo sopro. De circunstâncias duvidosas, fazemos certezas que nos aterrorizam. Como a justa medida não é do nosso feitio, instantaneamente uma inquietude se converte em medo. 

Séneca, in 'Dos Reveses'


1 comentário:

  1. Esperança que nos pode matar.
    Gratidão que nos pode elevar.
    São dificeis estes conceitos, porque enquanto há esperança há luta e enquanto há gratidão há paz. Que fazemos nós ás contradições? Que fazemos nós com a falta de esperança e a ingratidão. Sim porque a dificuldade está em reconhecer quem nos estende a mão e não em agradecer.

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