Apanho do Mia Couto uma frase interessante, que confirma a ideia de que a esperança é (ou pode ser) o mais frágil dos sentimentos. Diz o escritor moçambicano: A esperança não é a última a morrer ainda que possa ser a primeira a matar-nos.
Esta semana, mantendo uma tradição que me dá gosto, escrevi aos profissionais e voluntários da Acreditar: agradeço-lhes tudo o que fazem e desejo-lhes um Santo Natal. Todos eles, por esta altura, confrontam-se ainda mais com gente cuja sensibilidade está à flor da pele: famílias que passam o Natal fora de casa à vista de um hospital; famílias que passam um Natal amputado de quem já partiu ou com quem tem um fim anunciado; famílias que transbordam de alegria por um sufoco que desapareceu. Todas elas foram visitadas pela esperança que é a última a morrer, mas também pela esperança que é a primeira a matar-nos. E o Natal, no que parece ser uma crueza do destino, amplia tudo isto.
Hoje, pessoa de quem sou amigo receberá, espera-se, uma boa notícia. Não sei se já tinha desesperado e se manteve estoicamente (numa referência a Séneca, mais abaixo) no lugar que lhe coube, ou se manteve a esperança de uma folha de papel onde frases formais e sem criatividade transformam um deserto num oásis. Outros, à mesma hora, no mesmo dia, numa simultaneidade metafórica, não recebem nada, ou recebem a confirmação de um fim. A mesma esperança que não morre ou que é a primeira a matar-nos, porque a desesperança é de uma facilidade que incomoda.
Esta semana jantei com um casal de amigos (o itálico é porque ela é uma amizade muito recente e a ele conheci-o naquele dia). São ambos viúvos, tendo juntado na mesma casa crianças pequenas que têm um elo potencialmente mais forte que o sangue: passaram todas pelo desgosto violentamente prematuro da perda de um progenitor. Falámos da dificuldade da vida, das soluções ou das estratégias que amenizam os desencontros e as agruras. Ele falou em gratidão: agradecermos o que temos, o que nos dão, o que recebemos, e também o que somos. A esperança também se alimenta disto, do que já existe e que é combustível para andar, não para queimar, porque tudo o resto é uma interrogação.
Que não nos falte a esperança que se alimenta da gratidão, essa palavra tão luminosa.
JdB
Um destes dias ao fim da tarde, de iPhone na mão |
O Temor Combate-se com a Esperança
Não haverá razão para viver, nem termo para as nossas misérias, se fôr mister temer tudo quanto seja temível. Neste ponto, põe em acção a tua prudência; mercê da animosidade de espírito, repele inclusive o temor que te acomete de cara descoberta. Pelo menos, combate uma fraqueza com outra: tempera o receio com a esperança. Por certo que possa ser qualquer um dos riscos que tememos, é ainda mais certo que os nossos temores se apaziguam, quando as nossas esperanças nos enganam.
Estabelece equilíbrio, pois, entre a esperança e o temor; sempre que houver completa incerteza, inclina a balança em teu favor: crê no que te agrada. Mesmo que o temor reuna maior número de sufrágios, inclina-a sempre para o lado da esperança; deixa de afligir o coração, e figura-te, sem cessar, que a maior parte dos mortais, sem ser afectada, sem se ver seriamente ameaçada por mal algum, vive em permanente e confusa agitação. É que nenhum conserva o governo de si mesmo: deixa-se levar pelos impulsos, e não mantém o seu temor dentro de limites razoáveis. Nenhum diz:
- Autoridade vã, espírito vão: ou inventou, ou lho contaram.
Flutuamos ao mínimo sopro. De circunstâncias duvidosas, fazemos certezas que nos aterrorizam. Como a justa medida não é do nosso feitio, instantaneamente uma inquietude se converte em medo.
Séneca, in 'Dos Reveses'
Esperança que nos pode matar.
ResponderEliminarGratidão que nos pode elevar.
São dificeis estes conceitos, porque enquanto há esperança há luta e enquanto há gratidão há paz. Que fazemos nós ás contradições? Que fazemos nós com a falta de esperança e a ingratidão. Sim porque a dificuldade está em reconhecer quem nos estende a mão e não em agradecer.