02 dezembro 2015

Efemérides dos dias que correm


A Acreditar celebra este ano o seu 20º aniversário. E lançou um livro onde, como se pode ver no título, se contam vidas. 20 anos de vidas. O livro é importante - não só porque se contam vidas sofridas, mas também vidas de sucesso em crianças nas quais, como escrevi no texto de abertura, tudo é maiúsculo: a vida antecipada, a luta valente, a fragilidade que não os diminui.  

Grande parte do livro, como não podia deixar de ser, é ocupada com testemunhos. De crianças (que agora são jovens / adultos) que passaram pela Acreditar, de Pais cujos filhos passaram pela Acreditar. Esta é apenas uma parte da nossa história, porque há outra parte, igualmente importante, mas que não pode ser contada na primeira pessoa do singular, porque essas crianças já não estão entre nós. Há uma ou outra contada por um ou outro Pai; as outras imaginamo-las. E imaginá-las já é muito.

São crianças de dois anos, sete, doze, quinze. Das ilhas, do norte, do centro. Miúdos / crianças felizes, com um futuro hipotecado, lutado, vencedor, arrancado ao ambiente que é deles. "Venho por este meio contar-vos a minha história: sou o Hugo, tenho sete anos e já ando no IPO desde os meus nove meses...".

A importância do livro não está só na tomada de consciência de uma realidade que existe. A importância do livro é dupla: a relativização dos nossos problemas face a estas caminhadas tão dramáticas, exercício sempre difícil; e para aqueles que encontram a mão decisiva de Deus nos acontecimentos da sua vida, perceber que o Deus em que acreditamos não salva umas crianças para deixar outras morrer. Ou que leva umas porque gosta delas, ou porque uns Pais têm mais força anímica do que outros e Deus não dá nada que não consigamos aguentar. Acreditar nesse Deus é um contra-senso em que não embarco. E se Deus colocou o Hugo no IPO é dizerem-me, que poupo uma ida à missa no próximo Domingo.

Ler o livro da Acreditar (tal com atentar noutras realidades) é perceber a injustiça da vida. Cabe-nos minorá-la com os meios ao nosso alcance: voluntariado, ajuda financeira, atenção ao próximo, atenção ao nosso mais próximo, dar a justa dimensão aos nossos problemas. E rezar a Deus para que nos dê força para suportar tudo, para encontrarmos um sentido para os dramas e para os sucessos. Porque também para as grandes alegrias se impõe a pergunta: "o que faço eu com isto?" 

JdB


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