26 janeiro 2016

Das perguntas sem resposta

Richmond Hill with Fog, fotografia de Nobuyuki Taguchi



E tu? Ao menos sabes o que eu preciso? Estirado num sofá, na modorra de um sábado de tarde, ouvi esta pergunta da boca de um artista de tardes de cinema. A frase é vulgar nos diálogos afectivos. A expressão "ao menos" confere-lhe uma certa dimensão de agressividade, como se o outro não soubesse porque não quer, porque não se interessa, porque não se debruça o suficiente sobre o tema em apreço que não é mais, afinal, do que as necessidades de um mortal.

Sobre E tu? Ao menos sabes o que eu preciso? recaem sempre dois olhares distintos, convergentes e divergentes em proporções incertas: quem a profere e quem a ouve; quem pergunta e quem tem o dever de responder, sendo que sim ou não são inelegíveis para resposta. É preciso mais. Por vezes ambos os interlocutores estão de acordo: sim, sei o que precisas, sendo que o rol de necessidades está certo, foi correctamente identificado. Está dado o primeiro passo, já só falta quase tudo: o suprimento das necessidades.  

A fronteira entre aquilo que alguém precisa e aquilo que outro alguém está disposto a dar pode ser incomensurável. Por vezes - e é sobre isto que me debruço agora - o fosso está entre aquilo que alguém precisa e aquilo que alguém diz que precisa: eu preciso de atenção versus precisas de te descentrar; ou preciso de tempo versus precisas de organização. Onde está a razão? As necessidades, só porque proferidas pelo próprio, estão forçosamente correctas? As necessidades do outro, só porque vistas com uma certa distância, estão forçosamente correctas? Todos nós (enfim, muitos de nós...) temos fragilidades, debilidades, necessidades. Todos nós queremos que os outros as eliminem, as compensem, as resolvam. Como? Da forma que nós entendemos melhor, o que nem sempre corresponde à forma que é a melhor...  

A expressão E tu? Ao menos sabes o que eu preciso?, é uma pergunta apontada ao cerne de uma relação afectiva qualquer. Temos de estar preparados para tudo: para que o outro não saiba; para que nós próprios não saibamos exactamente; para que o outro não consiga dar-nos o que queremos, ou que tenha uma ideia diferente - e quantas vezes mais correcta - daquilo que nós próprios precisamos. 

A pergunta pode ser difícil. Estirado num sofá, na modorra de um sábado de tarde, ouvi-a da boca de um artista de tardes de cinema. Havia uma certa neblina no ar, a lareira ardia mansamente, não se ouviam mais ruídos do que o da lenha a arder, ou dos pássaros no ar perseguidos por um cão geneticamente preparado para a humidade e para o nevoeiro. Já não ouvi a resposta, confesso.

JdB

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