Há pouco mais de dois anos escrevi um texto neste estabelecimento (de que reproduzo um excerto abaixo) sobre a desgraça que foi o desaparecimento da sala de jantar. Esta semana ainda, num convívio de amigos, vesti a pele de velho muito velho que usa alegremente expressões como "ainda sou do tempo em que...". E afirmei para quem me quis ouvir: duas grandes desgraças dos tempos modernos são o desaparecimento da dita casa de jantar e da carta (manu)escrita. Alguém de uma geração abaixo da minha fez um sorriso simpático mas trocista, como quem se espanta de ainda ouvir discursos tão retrógrados.
O desaparecimento da casa de jantar tem efeitos que estão espelhados abaixo, sobre os quais não discorrerei muito mais. A sala de jantar era uma espaço de convívio, de partilha, de educação de maneiras, de fomento do diálogo civilizado, ainda que acalorado. O desaparecimento do espaço deixará marcas óbvias nas gerações actuais e vindouras; a não ocupação do espaço em casas onde ele existia já deixou marcas: pessoas sem hábitos de conversa, para quem a refeição é algo exclusivamente utilitário.
A carta manuscrita não tinha apenas um carácter estético: uma letra cuidada, um espaço de texto bem distribuído, um papel de gramagem generosa, uma tinta permanente com um aparo civilizado. A carta manuscrita obrigava a cuidados, já que não existia a tecla delete: pensava-se na frase, burilava-se o estilo, evitava-se a falta de clareza. As cartas eram uma forma de comunicação que ia para além da utilidade simples, porque não havia mais nada - não havia telemóvel, fax, correio electrónico, skype, sms ou whatsapp.
Hoje há o email que, dizem-me, cumpre as mesmas funções da carta. Não me parece: para já, o email está para a carta como o kindle está para o livro. Posso ler tudo num aparelho electrónico, mas nada substitui ainda o contacto com o papel. Por outro lado, o email tem uma dimensão (quase) exclusivamente utilitária. Acima de tudo liga-se ao conteúdo e pouco à forma. Há excepções? Pois há - mas são excepções.
As livrarias estão cheias de obras que revelam a troca de correspondência entre A e B - feita em papel de carta dentro de um envelope no qual se colocava um selo. Resta-me saber se daqui a duas gerações o mundo editorial se entusiasmará pela troca de email entre A e B. Até porque A telefonava a B, que por sua vez usava o skype para falar com A. E com isto se perde conhecimento sobre as pessoas. Contrariarei este tendência começando a escrever nos emails: que esta te encontre de saúde, que nós por cá todos bem...
JdB
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Em certa medida, talvez nada tenha contribuído tanto para o fim de uma espécie de civilização como o desaparecimento da sala de jantar.
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Se a modernidade sobreviveu bem ao fim das duas divisões acima citadas [copa e escritório], nunca se recompôs do fim das salas de jantar. O erro cometido por arquitectos e mestres de obras, agremiações arvoradas em representantes das tendências sociológicas, paga-se bem caro. A sala de jantar era infinitamente mais do que uma assoalhada onde cadeiras em número variável rodeavam uma mesa de geometria a gosto. A sala de jantar era o local da partilha do dia que findara, da educação no debate, do planeamento dos vários futuros, das horas certas, da contenção e do respeito pelos alimentos.
A voragem dos dias resumiu a refeição a algo necessário ao bem estar físico, pelo que se cumpre essa tarefa em pé, agachado frente a um tabuleiro, de olhos absortos numa televisão, sozinho, meia hora antes ou depois do resto da família. O fim da sala de jantar ditou o fim da convivialidade à volta dos pratos de família, das receitas apuradas por patroas e cozinheiras superiores às lutas de classe, porque um ponto de espadana requer mestria, não exige berço. A conversa, no seu sentido mais nobre, foi a primeira vítima deste suposto progresso habitacional.
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Subescrevo querido João.
ResponderEliminarBeijinhos