18 fevereiro 2016

Dos processos de canonização

Night Time Streets (fotografia tirada da net)


Ad honorem Sanctae et Individuae Trinitatis, ad exaltationem fidei catholicae et vitae christianae incrementum, auctoritate Domini nostri Iesu Christi, beatorum Apostolorum Petri et Pauli ac Nostra, matura deliberatione praehabita et divina ope saepius implorata, ac de plurimorum Fratrum Nostrorum consilio, Beatum N. Sanctum esse decernimos et definimos, et Sanctorum Catalogo adscribimus, statuentes eum in universa Ecclesia inter Sanctos pia devotione recoli debere.

É esta a fórmula que o Papa usa ao proclamar um santo. Em português dir-se-ia assim:

Em honra da Santíssima Trindade, para exaltação da fé católica e incremento da vida cristã, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, e com a Nossa autoridade, depois de ter meditado detidamente, de ter invocado repetidamente a ajuda divina e de ter escutado o parecer de muitos Irmãos nossos no Episcopado, declaramos e definimos Santo o Beato N., incluímos o seu nome no Catálogo dos Santos e prescrevemos que em toda a Igreja seja honrado como Santo.

Este texto vem na sequência de uma notícia que apanhei por aí, que dava conta de ter sido identificado um milagre atribuível a Madre Teresa de Calcutá. Havia um vídeo anexo ao qual, confesso, não prestei a menor atenção. Ainda tenho na memória outros milagres atribuíveis a João Paulo II ou aos pastorinhos de Fátima: gente que se cura não sei de quê, ou que não fica cega (ou recupera a vista) depois de observar uma notícia na TV ou se atirar a uma oração mais devota.

Não sei o que está por trás desta regra da Igreja para a proclamação de beatos e santos. Tenho ideia de me terem dito que data da Revolução Francesa, e da necessidade da igreja dar uma nota de sobrenatural / inexplicável / divino a alguns acontecimentos. 

Não tenho, confesso também, devoção por santos. Tenho admiração por eles – pelas suas virtudes heróicas, pelo seu martírio em nome da fé, por uma vida inteira dedicada ao próximo. Para isso, no entanto, os santos têm de ser-me razoavelmente contemporâneos. As bondades do Santo Condestável dizem-me pouco, talvez mesmo nada. Frei Bartolomeu dos Mártires goza de um estatuto privilegiado para ascender aos altares. Viveu no início dos séc. XVI... Na outra ponta do espectro, Madre Teresa de Calcutá viveu na minha época, assim como João Paulo II. Maximiliano Kolbe, que dirá pouco ao conjunto dos portugueses, morreu num campo de concentração, oferecendo-se para que um companheiro de caserna não tivesse esse destino. São gente do séc. XX, cujas vidas são contadas (quase) em directo, de quem tiramos virtudes actuais, modernas, dos dias de hoje e requeridas pelas realidades de hoje.

Não consigo rezar aos pastorinhos de Fátima nem a S. Judas Tadeu que me foi sugerido em 2001, ano de todos os acontecimentos. No dia dos meus anos a Igreja lembra S. Higino, papa e mártir. Fixo a efeméride por graça, porque o santo está tão longe no tempo que não constitui um exemplo a imitar.

Discordo do processo de canonização seguido pela Igreja. O grande milagre da Madre Teresa não foi uma feliz mortal que, nos confins não sei de onde, foi beneficiada por uma luz que só ela viu e que a ciência ainda não explica. O milagre de Madre Teresa é a vida dela entre os pobres dos mais pobres; o milagre da vida dela são os milhares de abandonados que recolheu, a fome que ela passou para que os outros não a passassem; o milagre da vida dela são as vocações que gerou, a multidão de raparigas e mulheres que, por esse mundo fora, deixaram tudo (e eu conheço uma, amiga da juventude) porque foram tocadas por ela, pela sua obra e Amor ao próximo.

JdB

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