Embora já conhecesse alguns elementos da sua família, o Miguel cruzou-se comigo por causa do meu filho, quando ambos pertenciam a um grupo de estudantes que se preparavam para os exames lá em casa. Quando me despedia deles, já de noite, estavam de volta de uma mesa a estudar, menos o Miguel que, sentado num sofá, lia a Guerra e Paz, parece-me, que tinha ido buscar à estante. E foi lendo noutros serões, enquanto os amigos estudavam. Numa dada altura deu explicações de matemática à minha filha, no que foi um processo que começou interrogado e que acabou com um sucesso quase estrondoso, já que ela passou à cadeira com notas (quase) surpreendentes.
Simpatizei com ele desde cedo. Era educado, simpático, culto, inteligente, com sentido de humor. Tratava-o por graça por senhor Vasconcelos, pois é esse o apelido dele, e ele devolvia-me o tratamento: senhor B... Não havia falta de respeito nem proximidade exagerada. Havia, isso sim, uma naturalidade simples, de quem sabia (ele) quem tinha à frente (eu). Conversávamos de religião, de igreja católica ou de padres, de outras coisas. Ríamos das idiossincrasias de alguns membros do clero, referiamo-nos com respeito e amizade aos membros que nos tinham tocado a alma e a vida, nomeadamente o Pe. Ricardo. Discordávamos do que tínhamos a discordar com a Igreja a que ambos pertencíamos com gosto, concordávamos na essencialidade.
Um dia soube que entraria para o seminário. Fiquei feliz por ele, porque temos sempre de nos regozijar por quem encontra e segue a sua vocação, por mais difícil que seja o caminho. Comecei a encontrá-lo menos, mas mantinha o como está, sr. Vasconcelos?, ao qual ele respondia educadamente: bem muito obrigado. E o senhor B...? E lá ajudava ele à missa - com um ar tranquilo, desafectado, talvez rindo-se para dentro com o que era de rir, dando atenção ao que era verdadeiramente importante.
O Miguel ordena-se diácono hoje. Educado e simpático como é, mandou-me um convite impresso, ao qual juntou umas palavras manuscritas que me fizeram sentido: uns versos da Sophia de Mello Breyner que eu citei num livro, e a frase para que na minha vida tudo o que existe louve, uma referência a uns versos de Adélia Prado, cuja antologia o Miguel prefaciou com o Pe. Tolentino Mendonça.
À luz do que sei hoje, véspera desse dia, não há garantia de que possa ir, assoberbado que estou com mil e uma coisas que exigem prazos ou serviço a causas maiores do que eu. Rezarei por ele, para que ele reze também por mim; rezarei pela vocação dele, que desejo crescente em sabedoria e graça. Imagino que o Miguel não verá ninguém, de olhos postos na responsabilidade, na festa, no colo de Nossa Senhora que a todos abriga, no futuro, nas dúvidas e nas certezas, num Deus que não é senão Amor e que o escolheu para que ele O servisse.
Senhor Vasconcelos: para si, aqui ou noutro sítio, um abraço grande de satisfação - de muita satisfação - pelo caminho que está a trilhar, e que só acabará na eternidade em que ambos (e tantos outros) acreditamos. Que tudo o que existe na sua vida seja motivo de louvor.
(...) A nossa alma deseja,
o nosso corpo anseia
o movimento pleno:
cantar e dançar TE-DEUM
(Adélia Prado)
Consagração a Nossa Senhora
Ó Senhora minha, ó minha Mãe, eu me ofereço todo a Vós, e em prova da minha devoção para convosco, Vos consagro neste dia e para sempre, os meus olhos, os meus ouvidos, a minha boca, o meu coração e inteiramente todo o meu ser.
E porque assim sou Vosso, ó incomparável Mãe, guardai-me e defendei-me como propriedade vossa.
Lembrai-Vos que Vos pertenço, terna Mãe, Senhora Nossa.
Ah, guardai-me e defendei-me como coisa própria Vossa.
Que maravilha este seu testemunho, obrigada.
ResponderEliminarBeijinhos