SMS recebido ontem de mão amiga informava-me do previsível: morrera Alberto da Ponte.
Não acrescento nada ao que os jornais informarão relativamente à sua biografia - onde se formara, por onde estudara, que cargos ocupara e quando, a polémica em que se vira envolvido enquanto presidente da RTP. Esses pormenores da sua vida, vou ser franco e talvez bruto, importam-me pouco. O que quero lembrar é o homem Alberto da Ponte, que parece ser indissociável do gestor Alberto da Ponte. Mas o gestor que ele era devia-se ao homem que ele era, porque somos gente antes de sermos médicos, engenheiros, advogados.
A minha vida profissional é marcada pela minha passagem pelo mundo da Unilever, em Portugal numa parceria com o grupo Jerónimo Martins, e que daria origem (quando entrei, em 1986) à Fima - Lever - Iglo. Em meados / fim dos anos 90 (não me lembro exactamente quando, e isso é irrelevante) cruzo-me com Alberto da Ponte, então director-geral da Lever, onde eu trabalhava na altura. Entre mim e ele há, na cadeia hierárquica, o Engenheiro José Tapada, também desaparecido prematuramente, que me vem a ensinar tudo o que sei - não a fazer planos de negócio nem a calcular eficiências, mas a lidar com as pessoas. No fundo, a tratar as pessoas como pessoas. E a fazer disso uma prática, não uma missão oca escrita a negrito numa folha de papel.
São tempos de crescimento mas, acima de tudo, são tempos éticos. No Dr. Alberto da Ponte, com quem nunca trabalhei directamente, há uma genialidade de gestor visionário, um entusiasmo contagiante no marketing, nas vendas. Há ainda uma simpatia e uma correcção que não são independentes de um discurso desafiante, de total incentivo e desinstalação. Mas há, acima de tudo o que já está acima de tudo, uma ética que se vê, se intui, se palpa. Uma educação e uma correcção que seriam incompatíveis com os tempos que se viveriam a seguir e que eu também vivi em 2003, 2004, 2005. Tempos pautados por um enorme desrespeito e desconsideração por parte da administração do Grupo que, apoiada numa direcção de recursos humanos que viria a ser descapitalizada de gente boa, como era o meu amigo João Silva, despede e trata profissionais valorosos e dedicados de uma forma que envergonha.
(Um destes dias, a mesma mão amiga que me informa da morte do Dr. Alberto da Ponte menciona o clima iníquo que se vive na empresa onde trabalha, clima esse marcado, recentemente, por mais uma onda de despedimentos feitos de forma violenta e incorrecta.)
Lembrar o Dr. Alberto da Ponte não é lembrar apenas o Dr. Alberto da Ponte na sua competência e desejo absoluto de crescimento da empresa que servia, mas é lembrar uma época que não voltará. Não só porque ele morreu, o Engenheiro José Tapada morreu, outros desapareceram, mas porque o discurso da época morreu, a prática da época morreu. Podemos sempre questionar-nos como seriam estas pessoas em tempos de crise, de decréscimo, de necessidade de assegurar as margens. Seriam as mesmas pessoas? Sim, seriam, porque conheci outros profissionais que mantiveram uma educação profissional acima da canalhice vigente e que, também por causa disso, foram descartados. Porém, da boca deles nunca saiu uma palavra de traição ou de abandono.
Não vivemos tempos bons. Vivemos tempos de selvajaria profissional, de abusos e de exageros, de desconsideração pelas mais elementares regras do civismo e da convivialidade numa empresa. Os salários são baixos, as pressões muitas, a dedicação e competência pouco recompensadas, a insegurança escrita em maiúsculas no recibo de ordenado. Com a morte do Dr. Alberto da Ponte (irreparável para a família e amigos mais próximos) não morre nada, apenas a lembrança de uma época boa, porque povoada de gente boa. Como ele.
JdB
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