18 janeiro 2017

Oh my God!

Aqui há poucos meses fui ao lançamento do último livro da Rita Ferro. Uma vez que a sala do Palácio Foz se veio a tornar pequena para o número de convidados, muita gente ficou à porta, mesmo os que, como eu, haviam chegado com cinco minutos de atraso. Junta-se um pequeno grupo à conversa com o porteiro que, cumprindo ordens, tenta explicar o que parece ser difícil de entender - pura e simplesmente não entra mais ninguém. Ao meu lado fala-se que também não teriam querido deixado entrar o António Vitorino, um dos apresentadores do livro. Senhora ligeiramente mais velha que eu, com quem me cruzei duas ou três vezes em eventos sociais, reage indignada: não queriam deixar entrar o António Vitorino? Mas ele é deputado...

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Faço zapping um destes dias. Num programa norte-americano, talvez com o Jimmy Fallon  (há-de ter um nome, este tipo de programas, mas não me lembro) desafiam algumas pessoas a dirigir umas frases a Michelle Obama. Fazem-no voltados para uma imagem dela num ecrã. Vi meia dúzia de intervenções: curtas, elogiosas, algumas muito elogiosas, outras de lembrança por uma contemporaneidade numa faculdade há muitos anos. Filmam Michelle Obama por trás de um cenário, que vai abrindo a boca de espanto e comoção por aquilo que as pessoas comuns dizem. Oh my God é corrente e repetido. De repente a ex-primeira dama norte americana sai de trás do cenário e coloca-se em frente desta gente comum que lhe dissera coisas elogiosas. Vale a pena ver o ar de espanto, incredulidade e surpresa. Mas, acima de tudo, vale a pena ver as caras de total e absoluto fascínio por poderem abraçar, tocar mesmo, uma senhora que viram durante oito anos numa televisão e que, de uma forma que desconheço, lhes terá tocado a vida. Todos dizem oh my God!

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Para a senhora ao meu lado era inacreditável não terem deixado entrar o António Vitorino, que até era deputado...  Em primeiro lugar, inacreditável é a senhora não saber que ele não é há muito tempo. Em segundo lugar o que torna o António Vitorino (com excepção da sua condição de apresentador do livro) detentor de um livre acesso que eu, ou outros iguais, não teria? Por ser deputado? E isso é maios ou menos do que ser neuro-cirurgião, advogado num bom escritório ou cantor com discos de platina? Refira-se que o político socialista é um homem que me merece consideração e respeito, não me suscitando qualquer irritação, muito pelo contrário.

Não emito opiniões sobre o mérito da intervenção de Michelle Obama na vida pública norte-americana, que desconheço. Mas é sempre interessante ver este povo infantilmente fascinado com estes encontros, como se a verdadeira existência dela (ou de um lorde inglês vestido de tweed, ou de um marajá, de turbante) só fosse comprovável pelo toque humano, e esta americana ou este americano se configurassem numa espécie de povo eleito e iniciado a quem foi dado o privilégio de tocar no sobrenatural.

Talvez a senhora ao meu lado fosse americana e gostasse de abraçar a primeira-dama (que agora não há) comovendo-se numa expressão lírica: oh meu Deus...

JdB

PS: Ver, como eu vejo no iPad no remanso de minha casa, as capas das revistas sociais todas lado a lado é um exercício sociológico para uma realidade que será estudada um dia. Ali estão as pessoas a quem os americanos diriam oh my god! - os actores, as actrizes, os modelos, as histórias das telenovelas, tudo misturado como se fizesse parte da mesma realidade. São estes os heróis do nosso tempo. Como é heroína a mãe da princesa Nônô (uma criança que morreu de cancro há poucos anos, cuja vida e morte foi muito mediatizada, até por bons motivos) a indignar-se na capa de uma revista cor de rosa com o ex-marido, que já se tinha indignado, ele próprio, com a ex-mulher, porque ambos dizem o mesmo - o outro cônjuge abandonou a filha às portas da morte. Que mundo! 

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