15 setembro 2017

Poemas dos dias que correm

Os Homens Gloriosos

Sentei-me sem perguntas à beira da terra, 
e ouvi narrarem-se casualmente os que passavam. 
Tenho a garganta amarga e os olhos doloridos: 
deixai-me esquecer o tempo, 
inclinar nas mãos a testa desencantada, 
e de mim mesma desaparecer, 
— que o clamor dos homens gloriosos 
cortou-me o coração de lado a lado. 

Pois era um clamor de espadas bravias, 
de espadas enlouquecidas e sem relâmpagos, 
ah, sem relâmpagos... 
pegajosas de lodo e sangue denso. 

Como ficaram meus dias, e as flores claras que pensava! 
Nuvens brandas, construindo mundos, 
como se apagaram de repente! 

Ah, o clamor dos homens gloriosos 
atravessando ebriamente os mapas! 

Antes o murmúrio da dor, esse murmúrio triste e simples 
de lágrima interminável, com sua centelha ardente e eterna. 

Senhor da Vida, leva-me para longe! 
Quero retroceder aos aléns de mim mesma! 
Converter-me em animal tranquilo, 
em planta incomunicável, 
em pedra sem respiração. 

Quebra-me no giro dos ventos e das águas! 
Reduze-me ao pó que fui! 
Reduze a pó minha memória! 

Reduze a pó 
a memória dos homens, escutada e vivida... 

Cecília Meireles, in 'Mar Absoluto'

***

Lua Adversa

Tenho fases, como a lua, 
Fases de andar escondida, 
fases de vir para a rua... 
Perdição da minha vida! 
Perdição da vida minha! 
Tenho fases de ser tua, 
tenho outras de ser sozinha. 

Fases que vão e que vêm, 
no secreto calendário 
que um astrólogo arbitrário 
inventou para meu uso. 

E roda a melancolia 
seu interminável fuso! 

Não me encontro com ninguém 
(tenho fases, como a lua...). 
No dia de alguém ser meu 
não é dia de eu ser sua... 
E, quando chega esse dia, 
o outro desapareceu... 

Cecília Meireles, in 'Vaga Música'

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