A actual sede de um dos Ministérios mais antigos do país – o dos Negócios Estrangeiros (MNE) – fiel à designação e às mesmas responsabilidades desde os primórdios da IV Dinastia, vale bem uma visita, ao menos virtual [link no final].
Foi durante a I República, em 1916, que o MNE se instalou no palácio rosa das Necessidades, que fora habitado por D.Maria II, pelo seu filho D.Pedro V e pelos últimos reis de Portugal: D.Carlos e D.Manuel II.
Note-se que, desde 1761, a outra residência oficial dos monarcas portugueses era o Palácio da Ajuda, erigido em «pedra e cal» a mando de D.José, após o terramoto de 1755. Devorado pelas chamas, em 1794, a demorada reconstrução recomeçou em 1796, ficando habitável a partir de 1826. Porém, o maior impulso à Ajuda dá-se em 1862, no reinado de D.Luís I (1838-1889), casado com D.Maria Pia - princesa de Sabóia.
Por seu turno, o complexo das Necessidades – composto por palácio e convento – desenvolveu-se em simultâneo, por iniciativa de D.João V, a partir da pequena ermida construída pela piedade popular, no séc.XVI, para acolher uma imagem de Maria venerada por acudir às aflições dos que a Ela se confiavam, cunhando-lhe o nome de «Senhora das Necessidades».
A origem da devoção remonta ao despovoamento de Lisboa provocado pelo surto da Grande Peste (1569). Uma família de tecelões, que fugira para a Ericeira, sentiu-se confortada com a descoberta de uma imagem de Nossa Senhora da Saúde, numa ermida junto ao mar. Quando puderam regressar à capital, trouxeram-na consigo e arranjaram um terreno para edificar uma capelinha aberto ao culto, que foi financiada pela esmola dos mais simples. Em 1613, já estava disseminada a invocação «das Necessidades», que não parava de atrair peregrinos. Mais tarde, a devoção estendeu-se a D.Pedro II e a sua mulher, D.Isabel de Sabóia, que mandaram erigir uma tribuna ricamente ornamentada. Ao adoecer, o rei pediu para receber a imagem, ficando surpreendido pela inexplicável cura, que logo lhe atribuiu.
Com o seu filho, D.João V, ocorre outra cura imprevista, ao recuperar de uma paralisia súbita do lado esquerdo (em 1742), depois de lhe trazerem a imagem milagrosa. Além de não se separar mais da imagem, em agradecimento: transforma a ermida em Igreja, edifica no espaço contíguo um hospício e um convento, entregando-o à congregação do Oratório de S.Filipe Néri. Os monges oratorianos instalam-se em 1757, abrindo também uma escola com os estudos completos até à universidade, além de uma portentosa biblioteca, que maravilhou estrangeiros ilustres que passaram por Portugal. Com a extinção das Ordens Religiosas, o recheio bibliotecário foi transferido para a Ajuda.
O rei de cognome «Magnânimo» manda igualmente levantar ali um palácio, usado para recepções e alojar convidados de honra, mediante autorização real (a partir do reinado da filha de D.José – D.Maria I). Para enquadrar a fachada sul, cria o Largo das Necessidades com um jardim longitudinal e o chafariz homónimo (1747), concebido pelo arquitecto Caetano Tomás de Sousa. Este conjunto esculpido em mármore inclui um tanque rematado por lobos ornados de mascarões, de onde jorram água. No remate superior assoma uma custódia encimada por uma cruz dourada.
A primeira monarca a residir no Paço Real das Necessidades foi a filha de D.Pedro IV – D.Maria II (Brasil, 1819-1853, Lisboa, no Palácio) – de reinado muito atribulado, em duas fases diferentes, assolado pela Guerra Civil entre liberais e absolutistas, e a turbulência dos golpes militares em contínuo, como a revolução de Setembro, a Belenzada, a Revolta dos Marechais, a Maria da Fonte e a Patuleia. Também a vida familiar foi intensa: casou duas vezes, a segunda depois de enviuvar. Deu à luz 11 filhos, o que lhe valeu o cognome de «A Educadora» ou «A Boa Mãe». Morreu aos 34 anos, no parto de um bebé que também não subsistiu.
Maria II, retratada por Thomas Lawrence, 1829. Tela da Royal Collection britânica |
O último monarca residente no palácio, D.Manuel II, fugiu das Necessidades para Mafra, após os bombardeamentos ao paço, a 5 de Outubro de 1910, no rescaldo da proclamação da República. Dali, foi levado para Gibraltar, rumando depois para Londres.
Com o novo regime republicano, grande parte do mobiliário do palácio foi transferido para o Museu Nacional de Arte Antiga, embora tenham permanecido os lustres, a talha dourada e prateada, os espelhos, a decoração de paredes e tecto em estuque feita por Ernesto Rusconi (1846), as inúmeras telas com retratos e mapas antigos, os soberbos lambris de azulejo na parte conventual, os mármores, as estátuas de Giusti e de José de Almeida na Capela das Necessidades, os jardins de buxo à francesa por onde passeiam pavões de penugem azul luminosa, a tapada repleta de espécies exóticas, lagos, pavilhão de caça, caminhos de terra batida e recantos variados.
A antecipar a visita virtual ao Palácio, destacam-se com setas os ícones que permitem zoom sobre as várias parcelas de cada imagem com legenda específica (na «lupa») e a identificação geral de cada diapositivo no «i » situado em baixo, ao centro, como assinalado:
A visita reparte-se entre as dependências do palácio e do convento, que incluem alguns dos patamares dos jardins de buxo, concluindo com as salas modernizadas da «ala nascente». Infelizmente, é omisso em relação à Capela, cuja sumptuosidade dos paramentos religiosos e o esplendor da decoração, à base de tapeçarias persas e telas monumentais, fascinou William Beckford, segundo registou no seu diário (1797):
Com sobriedade e equilíbrio, o magnífico Paço das Necessidades constitui um digno cartão de visita dos mais altos dignitários estrangeiros, que visitam Portugal, constantemente. Na fachada sul, onde também está encrustada a Capela, o grande edifício rosa abre-se sobre o Tejo, bordejado por um remate profusamente jardinado e de vista desafogada. Lisboa no seu melhor!
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
Um palácio protegido das visitas turísticas mas acessível virtualmente sem quaisquer custos! Confesso que não conhecia esta iniciativa da secretaria geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
ResponderEliminarO meu slide preferido é o slide 17 do palácio – sala dos instrumentos científicos. Lembra os astrónomos da época, como Ruy Faleiro que “descobriu um sistema próprio para calcular a latitude que, embora deficiente, abarca todo o globo terrestre e que virá um dia a ser muito útil a Magalhães”, afirma Stefan Zweig em “Magalhães o homem e o seu feito”, um dos meus livros das férias.
Obrigada,
M.