06 novembro 2017

Do essencial e do acessório

Pietà (1499 - 1500) por Miguel Ângelo

O Êxtase de Santa Teresa (1647 - 1652) por Bernini

As duas fotografias acima (retiradas da net) só num certo sentido é que são muito diferentes. É um facto que a Pietà está fotografada muito de perto, enquanto O Êxtase de Santa Teresa está fotografado de longe. Há uma intenção por trás da escolha, já que poderia ter escolhido a Pietà fotografada de longe e a Santa Teresa de perto. 

Olhar para ambas as esculturas lança um desafio interessante, de entre muitos outros que poderiam ser suscitados por estas duas grandes obras de arte. Um desafio relaciona-se, obviamente com as fotografias e com a pergunta decorrente: por que motivo não faz sentido fotografar a Pietà de longe e Santa Teresa de perto? Por um motivo muito simples: a obra de Miguel Ângelo cabe toda numa fotografia normal, com alguma proximidade, enquanto a obra de Bernini não cabe - ou teríamos de usar uma grande angular. Dito de uma forma muito simples, a Pietà é aquilo; o Êxtase de Santa Teresa é aquilo. Só que a expressão "aquilo" tem que se lhe diga. 

A deambulação inútil acima levanta uma questão de identificação do que é essencial e do que é acessório. A intenção de Miguel Ângelo é representar a dor de uma mãe com o filho morto nos braços: uma proporção perfeita (mesmo que isso tenha implicado o reajuste dos tamanhos relativos) entre uma figura horizontal inserida numa figura vertical. A escultura é aquilo, esteja colocada ao lado de um altar, num nicho, numa sala de museu ou num coreto de aldeia. Por seu lado, a escultura de Bernini representa mais do que Santa Teresa de Ávila (com a sua boca levemente entreaberta, onde alguns veem sensualidade) a ser trespassada pela seta de amor divino de um anjo, embora isso chegasse para nos maravilhar. A escultura são aquelas duas figuras mais tudo o resto, nomeadamente os cardeais da família Cornaro que assistem ao êxtase.

Uma escultura não carece de mais nada, pois tudo o que precisamos de ver está ali, que o resto é suscitado pela nossa sensibilidade. A outra carece de tudo, e por isso não cabe em nada, porque ela contém, não é contida. A escultura é o espaço todo. Um escultor agarrou num bloco de pedra e, vendo o essencial da obra, retirou tudo o que era acessório. O outro escultor, vendo tudo o que era essencial para a sua obra, acrescentou elementos. Talvez a dor da morte de um filho seja de tal maneira essencial que torna tudo o resto acessório. Por sua vez, talvez o êxtase, mesmo que seja de uma mística, requeira testemunhas para que se torne essencial.

O que é essencial e o que é acessório?

JdB

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