21 novembro 2018

Vai um gin do Peter’s ?

QUANDO A HISTÓRIA MERECE MEMÓRIA   – 11 & 21 DE NOVEMBRO

Replicando o gesto de há 100 anos, às 11h00 (de Paris) de 11 de Novembro de 2018, os sinos dobraram pela paz. Há 100 anos, dominava o medo, o ódio, a devastação e a morte. Actualmente, recorda-se a tragédia passada por «devoir de mémoire», acreditando que «La vague [mortífera] n’emportera pas le souvenir».

A papoila, à esquerda, é a flor evocativa da I Guerra.

Junto ao Arco do Triunfo, reuniram-se 70 Chefes de Estado – entre europeus, EUA, Rússia, magrebinos e outros – para homenagear as vítimas da I Guerra Mundial e garantir um futuro de paz às novas gerações. Junto ao mais famoso memorial bélico do Ocidente, a palavra de ordem condensava o essencial: «Plus jamais ça».

Perspectiva dos batedores da escolta de Trump, no caminho para o Arco do Triunfo –
Credit Tom Brenner para o «The New York Times»

Em Paris, o centenário do armistício foi celebrado com minutos de silêncio, música, um discurso de Macron e poemas de soldados-poetas, compostos a 11 de Novembro de 1918 por franceses, britânicos, alemães e declamados, um século depois, por liceais das diferentes nacionalidades.

O repertório musical acentuou o eixo Paris-Berlim, a abrir com Bach no timbre nostálgico e solene do violoncelo, primorosamente executado pelo sino-americano nascido na capital gaulesa – Yo-Yo Ma. Comoveu Putin, segundo noticiou o «Evening Standard»(1) (aqui em gravação de qualidade sofrível):



As marcas russas na cerimónia de 2018 foram mais longe: a sequência protocolar atrasou-se com a demora de Vladimir P. junto ao monumento em honra das tropas que, à data, obedeciam ao Czar. Ali depositou um ramo de flores em escarlate luminoso, cor de sangue, no formato de bouquet de noiva, à parte das hastes compridas.


Depois de Bach, seguiu-se a sonata do francês Maurice Ravel, interpretada pelo duo Yo-Yo Ma e o violinista Renaud Capuçon. Para concluir: o «Bolero» (1928) de Ravel, que se tornou símbolo de esperança de um pós-guerra pacificado através do filme do realizador gaulês  «Les uns et les autres» (1980). E calhou a um maestro russo dirigir a European Union Youth Orchestra – Vasily Petrenko.

Uma curiosidade a ver com Portugal e o «Bolero»: o maestro Pedro de Freitas Branco, amigo de Ravel, dirigiu uma execução mais lenta daquela composição, que se repete e avança em crescendo como uma espiral obsessiva, alongando-a em dois minutos e meio.

Em Étoile, irrompeu ainda uma actuação musical mais atípica mas pleno de intensidade, na voz potente da artista do Benim Angélique Kidjo3, para prestar homenagem à forças expedicionárias africanas que participaram na Grande Guerra e tendem a ser ignoradas. Redundou noutro momento comovente para vários dos VIPs presentes.  É Kidjo quem associa a voz à essência do ser humano, defendendo que: «La voix est le mirage de l’âme».



No último Domingo de S. Martinho, por todo o planeta, multiplicaram-se as comemorações do centenário do armistício, percebendo-se quanto os gestos simbólicos, celebrados em conjunto, têm o condão de unir povos de todos os confins do planeta, partilhando a mesma dor e afirmando a mesma vontade de paz:

Sydney, Australia - Red poppies are projected on to the sails of the Sydney Opera House.
Photograph: David Gray/Reuters (2)

Children laid poppy wreaths at a memorial in Hong Kong.
Credit Vivek Prakash/Agence France-Presse — Getty Images

Kolkata, India - An Indian army soldier carries a wreath
before laying it at the war graves cemetery during a ceremony to mark the centenary. 
Photograph: Rupak de Chowdhuri/Reuters

Transcorridos 10 dias no calendário, surge a festa de 21 de Novembro, que suplanta o grande Cisma do Oriente e toda a cristandade (em especial, ortodoxos e católicos) evoca a Apresentação de Nossa Senhora no templo. Reza a história que, aos 3 anos de idade, Sant’Ana e S.Joaquim levaram Maria ao templo para agradecer o nascimento da filha. Repetiam a experiência de Abraão, dos pais de S.João Baptista e de tantos outros casais a quem fora dado o dom de conceber tardiamente, para certificar uma fecundidade inexplicável e impossível pelas leis da natureza.

Mal chegou à longa escadaria do templo, apenas reservada para os sacerdotes, Maria subiu-a impelida pelo Espírito Santo e foi recebida pelos sacerdotes com as mais altas honras, conduzindo-a ao núcleo mais sagrado templo, apenas reservado aos eclesiásticos em ocasiões especialíssimas.

Talvez por coincidência (e, naturalmente,  gosto pessoal), as melhores telas alusivas a esta evocação da infância da Mãe de Deus e da Humanidade pertencem a italianos, que beneficiam do facto de se encontrarem na confluência das civilizações oriental e ocidental, desde há milénios: 

Fra Carnevale, «Apresentação da Virgem» (detalhe), c. 1467

Ghirlandaio, «Apresentação da Virgem», na Capela Tornabuoni em Santa Maria Novella,
Florença, 1486–90.

Titian, «Apresentação da Virgem», c. 1535.

Outros eventos tiveram lugar a 21 de Novembro, embora nenhum congregue vontades tão diferentes e complementares como o que inspirou artistas de vários gerações. Elencando alguns dos que fizeram história: em 1818, o Czar Alexandre I apresentou uma petição em favor da constituição de um Estado judeu no território da Palestina; no rescaldo da Revolução de Outubro, logo em 1917, o espírito lúcido do grande escritor russo Maxim Gorky classificou Vladimir Lenin de «fanático cego e aventureiro irracional»; em 1933, foi aberta a primeira Embaixada dos EUA na capital da URSS; em 1937, deu-se a estreia da 5ª Sinfonia de Dimitri Shostakovitch, em Leningrado, recebida com uma ovação recorde de uma hora; em 1970, o golpe de Estado na Síria iniciou a dinastia do clã al-Assad no poder; em 1977, o Concorde rasgou os ares, pela primeira vez, num voo entre Londres e Nova Iorque; em 2017, Mugabe aceitou resignar, ao fim de 37 anos no cargo de presidente do Zimbabwe.

O grande mestre que é o tempo confirma a validade da memória histórica. Por isso, finda a II Guerra Mundial, foi gravado nos campos de concentração nazi, em grandes parangonas, o alerta do filósofo George Santayana (1863-1952): «Those who do not remember the past are condemned to repeat it».

Maria Zarco
(a  preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas, numa Quarta-feira)
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(1)   https://www.standard.co.uk/news/world/vladimir-putin-at-paris-armistice-day-russian-president-wells-up-as-cellist-plays-at-remembrance-a3986951.html .
(2)   https://www.theguardian.com/world/gallery/2018/nov/11/armistice-day-is-marked-around-the-world-in-pictures#img-17. 
(3)   Esta multifacetada cantora, compositora, actriz, dançarina e realizadora, três vezes premiada com o Grammy, teve uma actuação memorável no Rock in Rio de 2015. Quem lá esteve, penso que não a esquece. É especialmente conhecida pela sua interpretação de MAMA AFRICA:


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