21 fevereiro 2019

Da pedofilia na Igreja e do Observador

O jornal Observador tem vindo a publicar, desde há algumas semanas, uma investigação muito exaustiva sobre o problema da pedofilia (ou efebofilia, ou homossexualidade) na Igreja Católica em Portugal. Têm, inclusivamente, solicitado aos leitores que revelem histórias de que tenham conhecimento ou que possam ser contadas na primeira pessoa. Por outro lado, José Diogo Quintela, conhecido como humorista (talvez mais correcto do que dizer conhecido humorista) escreveu um texto a que intitulou Vade Retro, Sr. Padre! (em condições normais poria aqui o link, mas confesso que não me apetece). Porém, apetece-me dizer meia dúzia de palavras sobre o tema, respigando ideias que vou apanhando ou que vou redigindo mentalmente.

Nota previa: Tenho a declarar que um dos fundadores do jornal me é próximo e que eu próprio já escrevi 4 artigos, parece-me, que ali foram publicados. 

***

Do ponto de vista jornalístico pouco tenho a apontar ao Observador. O que membros da Igreja Católica fizeram com, ou a crianças ou jovens indefesos, é grave, ofende a nossa consciência e, estou certo, afastará muita gente dos bancos das igrejas. Há seguramente uma perda de credibilidade, não só pelo facto de alguns membros do clero se terem portado abominavelmente mas, acima de tudo, porque a hierarquia lidou com o assunto de forma desajeitada (para ser brando...). Como católico não gosto de ver a minha igreja nestes preparos, mas não posso pedir a um jornal que se cale perante esta barbaridade. Conto que os orgãos de comunicação social denunciem estes escândalos na Igreja Católica, como conto que os jornais denunciem escândalos (semelhantes ou diferentes) noutras igrejas. Como foi, aliás, o caso da TVI na sua investigação ao escândalo das adopções e dos luxos da IURD. 

Diz a sabedoria popular que a notícia é o homem que mordeu no cão. E, de facto, a notícia que vende não é a alma saudável da esmagadora maioria dos membros do clero; a notícia que vende não é o volume inigualável de ajuda humanitária da ICAR em África; a notícia que vende não é o labor silencioso e cristão das ordens religiosas que se dedicam a tomar conta dos mais pobres de entre os mais pobres, ou a acarinhar aqueles que a sociedade não tem onde colocar, porque são velhos e cegos, são velhos e deficientes, são improdutivos e desconfortáveis; a notícia que vende não é o bem que se faz, a paz que se promove, a ajuda que se dá. O que vende, o que representa o homem a morder o cão é isto: o escândalo, a porcaria, o desvio, o nojo, a vergonha. Devemos noticiá-los? Sim, devemos, sem qualquer sombra de dúvida. Mas também devemos noticiar o cão que mordeu no homem - se não for em nome do número de visualizações, que seja em nome da mais elementar justiça. Ser-se jornalista não é apenas vender, é também informar - e informar é partilhar as boas notícias, não apenas o que rebaixa a nossa condição humana.

***   

Sobre o artigo de José Diogo Quintela pouco tenho a dizer, a não ser que é uma porcaria. Mais do que lamentar que o Observador lhe dê guarida a troco de uma tença, tenho a lamentar que o cavalheiro, conhecido como humorista, se preste a isto, não saiba para mais, não queira mais, não possa mais. A Igreja põe-se a jeito? Sim, põe-se. Mas as pessoas correctas não se aproveitam disso, sob risco de se ofender quem não deve ofender-se (e não falo das avós do cavalheiro, que não sei se ainda são vivas). Bater na Igreja é uma tentação, mas escrever-se "instituição [ICAR] que anda há dois mil anos a convencer milhões de pessoas que é possível uma virgem dar à luz" é ofender dogmas, é apoucar. Pior ainda, é apoucar-se. Espero um dia poder imaginar-lhe a bonomia quando alguém, na sua competência de humorista, gozar com José Diogo Quintela e com aquilo que para ele é mais sagrado.

***

Uma nota final para o meu estimado amigo ATM, que durante o dia de ontem me deu conta dos seus protestos junto do Observador, usando argumentos justos e fortes, próprios de um católico que se indigna com as indignidades. Protestos que mereceram uma resposta correcta e pensada por parte do jornal

JdB 

6 comentários:

  1. Acredito e defendo que todos os assuntos devem ser investigados, que tudo deve estar sujeito a regras de transparência e, por isso, não é a investigação em si que me transtorna. É a maneira como o Observador tratou esta investigação que é uma vergonha.

    É lamentável que um jornal que pretende ter alguma credibilidade ache aceitável que no fim de todos os seus artigos (sim - todos - desde lifestyle a política internacional) conste uma interpelação aos leitores para se tivesse uma "história" que quisesse partilhar poderia fazê-lo de várias formas rápidas e interactivas, como se se tratasse de um assunto sem densidade e passível de ser descrito por emojis. Isto só como exemplo paradigmático de tudo o que envolveu esta investigação - desprezo pelas vítimas e pela instituição em prol da divulgação de um pretenso estilo de jornalismo moderno, arejado e multimédia.

    Acredito também que todas as situações que atentem contra a dignidade das pessoas devem ser denunciadas e julgadas, nas instâncias próprias, com a seriedade que as questões merecem. Não devem - nunca - ser mediatizadas para proveito próprio, como me parece que o Observador pretendeu fazer neste caso.

    Enviei um email ao Observador com o teor do meu descontentamento como leitora. Só lamento não me terem respondido.

    mfm

    ResponderEliminar
  2. Belo texto, JdB. Só os mais distraídos ainda não se terão dado conta de que existe (concertada ou não) uma campanha para descredibilizar a Igreja Católica. Volta e meia lá aparece a notícia do abuso ou do carro de alta cilindrada pago com as receitas da fábrica da paróquia, da UCP que não paga impostos, da católica que gostava de ver senhoras ordenadas, do católico que acha medieval o celibato dos padres, dos negócios de Fátima, etc. Água mole em pedra dura... Todos estes episódios contribuem para a erosão de um dos pilares da comunidade que somos e não estranha que a par destes, sejam também frequentes os ataques à família, enquanto instituição social. Rompendo-se estas amarras que nos suportam, que nos libertam, acabamos necessariamente escravos de uma tutela estatal que nos há-de amestrar. Ainda que cada dos autores que contribuem para isso, não duvido que alguém, ou melhor, que "alguém" quer justamente retirar o papel que estas instituições sociais desempenham nas nossas vidas. O alvo é variado... a Igreja, a Família, as instituições de solidariedade social, quantas animadas por católicos, as misericórdas, etc...(a luta inglória dos cuidadores informais e o sistemático e sub-reptício ataque ao Banco Alimentar são disso ilustratitivos exemplos)... até um dia dependermos do Estado para termos um cobertor na cama ou ervilhas na mesa.

    ResponderEliminar
  3. Queria dizer: "Ainda que cada dos autores que contribuem para isso não o notem, não duvido (...)"

    ResponderEliminar
  4. Há mais de dez anos que se nota (e bem) um movimento para a destruição da Igreja Católica. Nada se nota contra outros ramos do Cristianismo, nem contra outras religiões. E o homem é o mesmo em toda a Terra.
    Desde 11 de Fevereiro que o observador tem tido uma atitude iníqua. Desde 13/Fev que participei o facto, com cópia da lenga-lenga, para observador, rádio renascença, blasfémias, nós os poucos, portugal contemporâneo e outros. Ninguém deu resposta. A RR censurou (aparece uma parte). O Vaticano é acusado de estar nas mãos dum loby gay. A nomeação do actual Papa para bispo de Buenos Aires não foi 'aconselhada' pelo Geral dos Jesuítas, de então.
    Nunca vi (nem ouvi) mencionar tanto a vinda do anti-Cristo.

    ResponderEliminar
  5. Obrigada JdB pela sua reflexão sempre muito bem articulada e pertinente. Não li o artigo do Sr. Quintela e acredito que seja ofensivo como diz o nosso ilustre anfitrião.

    Questiono, contudo, a guerra aberta ao Observador e o sagrado.

    Os meios de comunicação publicam tudo e de tudo sob a capa da isenção e da impunidade e quem decide o que é publicado tem de colocar, muitas vezes em nome desse lema, as suas crenças e convicções de lado.

    A questão aqui discutida é outra, é a publicação deste artigo contra a Igreja e a falta de respeito de por aquilo que é sagrado.

    Pois, sagrado para quem?

    O respeito pela vida e pela dignidade humana é que é sagrado. O respeito pelas crianças indefesas é que é sagrado. Felizmente parece-me que o papa está mais preocupado em defender essas crianças e o futuro da humanidade, do que em sentir-se ofendido pelas barbaridades que alguns idiotas dizem sobre a sua casa.

    É também por isso que o Observador publicou um artigo e sublinha esta frase:
    “Perante a praga dos abusos sexuais perpetrados por homens da Igreja contra menores, pensei em chamar-vos, patriarcas, cardeais, arcebispos, bispos, superiores religiosos e responsáveis, para que, juntos, ouçamos o Espírito Santo e, com a sua orientação, ouçamos o choro dos pequenos que pedem justiça”, disse o Papa Francisco.

    Esta é que é a grande questão e isto é que é sagrado, "ouçamos o choro de quem quer justiça" porque amanhã também pode ser o dos nossos filhos e os nosso netos.

    ResponderEliminar
  6. Agradeço os vários comentários de elogio ou de indignação. É sinal de que o assunto nos toca e mexe connosco.

    ResponderEliminar

Acerca de mim