08 março 2019

da interpretação de Ulisses, de James Joyce

A leitura em inglês de Ulisses, de James Joyce, vislumbra-se uma tarefa herculeamente impossível. A sua leitura em português, numa tradução (parece que cuidada, de mais de 700 páginas) de Jorge Vaz de Carvalho afigura-se uma tarefa extenuante. Devo reconhecer que não cumpri nenhuma das duas. No entanto, na minha condição de doutorando tardio, assisto a um seminário, ministrado pelo Prof. António Feijó, que se dedica à leitura acompanhada da obra (na edição usada, mais de mil páginas entre texto e notas).

É muito vulgar perguntarem-nos sobre que é determinado filme ou determinado livro. A resposta habitual é mais ou menos esta: então, é sobre duas pessoas que se encontram... Ora, essa é a história do livro ou filme. O tema é outro: pode ser o amor na terceira idade, uma metáfora da traição, a descrição do capitalismo moderno ou um libelo contra a feminismo. 

Nesta linha, não sei, em boa verdade, sobre que é Ulisses, de James Joyce. Tampouco saberia contar a história, pois são 700 páginas passadas num único dia. Mas, como ouvi, o maior interesse para algumas pessoas (nomeadamente eu) não é saber a história ou o tema, mas perceber as inúmeras (seguramente centenas) de referências em toda a obra. O que me interessa saber é o que está por trás de determinada frase: um pensamento de Santo Agostinho ou uma frase de Shakespeare, uma citação dos clássicos gregos ou da Bíblia, um episódio da vida do autor ou do irmão em Trieste. 

Com um pontapé abriu a porta gretada da casinha. Melhor ter cuidado para não sujar estas calças para o funeral. Entrou, curvando a cabeça sob o lintel baixo. Deixando a porta entreaberta, no meio do fedor a cal mofenta e a teias de aranha bafienta tirou os suspensórios. antes de se sentar espreitou através de uma frincha para a janela da casa ao lado. O rei estava no seu trono. ninguém.    

(...)

Leu calmamente, contendo, a primeira coluna e, cedendo mas resistindo, começou a segunda. A meio, cedendo a sua derradeira resistência, permitiu aos intestinos que se aliviassem calmamente enquanto lia, lendo ainda pacientemente, já passada aquela ligeira obstipação da véspera.(*) Espero que não seja tão grosso que traga hemorróidas de volta. Não, bom tamanho. Assi, Ah! Com prisão de ventre um comprimido de cáscara sagrada. A vida podia ser assim. Não o emocionava nem tocava mas era algo rápido e asseado. Agora imprime-se qualquer coisa. Época frívola. Continuou a ler, sentado calmamente sobre o seu próprio fedor ascendente. (...) Deu uma olhadela pelo que já tinha lido e, enquanto se sentia verter calmamente as águas, ele invejou amavelmente o Sr. Beaufoy que tinha escrito aquilo e recebera o pagamento de três libras, treze e seis. 

(...)

Rasgou metade da história premiada bruscamente e limpou-se com ela. (**)

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* "Os actos de ler e defecar são aqui colocados juntos de forma perversa. O prazer de Bloom na contenção / libertação lembra a teoria de Freud de que, através destes meios anais, as crianças de três anos atingem gratificação sexual." (nota da edição inglesa, tradução minha.)

(**) parece que falamos de crítica literária...

JdB

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