14 junho 2019

Duas Últimas



Je vous parle d'un temps
Que les moins de vingt ans
Ne peuvent pas connaitre

Conheci esta música interpretada por Charles Aznavour: uma música poderosa, uma letra poderosa, uma interpretação poderosa. Ouvir a interpretação desta rapariga  - e confesso que não ouvi mais do que meio minuto - é perceber o espanto: como é que se cantam coisas que não se percebem, como se fosse um esquimó a cantar o fado Mouraria por via do conhecimento de fonética?

A rapariga não tem vinte anos e, não obstante, canta uma música que fala de um tempo que os que têm menos de vinte anos não podem conhecer. Não é conhecer do ponto de vista de não ter vivido - é não conhecer porque não há experiência de vida para tal.

Devemos cantar palavras que não conhecemos, realidades que não conhecemos, tempos que, não só não vivemos, como não fazemos ideia do que foram, porque não temos informação digerida internamente? Ela sabe o que era La Bohème? Do que fala o cantor quando diz que comiam dia sim dia não; saberá o que significa, na verdade, et toi qui posais nude?

Não tenho uma dúvida de que a rapariga canta bem. Estamos, porém, a falar de um número de circo - piruetas seguidas, arcos manuseados com garbo e arte, caniches que jogam à bola, braços fortes que agarram outros menos fortes num voo arriscado.

Interpretar é perceber o que se canta, encontrar sentido e significado às palavras, dar-lhes rugosidade, vida. Se não for assim é força de braço sem conhecimentos de aerodinâmica, é teclas de calculadora sem perceber a mecânica dos integrais duplos.

JdB   

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